Chacrinha?!
De
tanto falarem em Chacrinha, liguei a televisão para seu programa que me pareceu
durar mais que uma hora.
E
fiquei pasma. Dizem-me que esse programa é atualmente o mais popular. Mas como?
O homem tem qualquer coisa de doido, e estou usando a palavra doido no seu
verdadeiro sentido. O auditório também cheio. É um programa de calouros, pelo
menos o que eu vi. Ocupa a chamada hora nobre da televisão. O homem se veste
com roupas loucas, o calouro apresenta o seu número e, se não agrada, a buzina
do Chacrinha funciona, despedindo-o. Além do mais, Chacrinha tem algo de
sádico: sente-se o prazer que tem em usar a buzina. E suas gracinhas se repetem
a todo o instante – falta-lhe imaginação ou ele é obcecado?
E
os calouros? Como é deprimente. São de todas as idades. E em todas as idades
vê-se a ânsia de aparecer, de se mostrar, de se tornar famoso, mesmo à custa do
ridículo ou da humilhação. Vêm velhos até de setenta anos. Com exceções, os
calouros, que são de origem humilde, têm ar de subnutridos. E o auditório
aplaude. Há prêmios em dinheiro para os que acertarem através de cartas o
número de buzinadas que Chacrinha dará; pelo menos foi assim no programa que
vi. Será pela possibilidade da sorte de ganhar dinheiro, como em loteria, que o
programa tem tal popularidade? Ou será por pobreza de espírito de nosso povo?
Ou será que os telespectadores têm em si um pouco de sadismo que se compraz no
sadismo de Chacrinha?
Não
entendo. Nossa televisão, com exceções, é pobre, além de superlotada de
anúncios. Mas Chacrinha foi demais. Simplesmente não entendi o fenômeno. E
fiquei triste, decepcionada, eu quereria um povo mais exigente.
(Clarice
Lispector, in Todas as crônicas. Prefácio de Marina Colasanti; organização de Pedro
Karp Vasquez; pesquisa textual de Larissa Vaz. – 1ª ed. – Rio de Janeiro:
Rocco, 2018. Publicado originalmente no Jornal do Brasil em 7 de outubro de
1967.)
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