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Eu quereria um povo mais exigente / Crônica de Clarice Lispector

 


Chacrinha?!

 

De tanto falarem em Chacrinha, liguei a televisão para seu programa que me pareceu durar mais que uma hora.

E fiquei pasma. Dizem-me que esse programa é atualmente o mais popular. Mas como? O homem tem qualquer coisa de doido, e estou usando a palavra doido no seu verdadeiro sentido. O auditório também cheio. É um programa de calouros, pelo menos o que eu vi. Ocupa a chamada hora nobre da televisão. O homem se veste com roupas loucas, o calouro apresenta o seu número e, se não agrada, a buzina do Chacrinha funciona, despedindo-o. Além do mais, Chacrinha tem algo de sádico: sente-se o prazer que tem em usar a buzina. E suas gracinhas se repetem a todo o instante – falta-lhe imaginação ou ele é obcecado?

E os calouros? Como é deprimente. São de todas as idades. E em todas as idades vê-se a ânsia de aparecer, de se mostrar, de se tornar famoso, mesmo à custa do ridículo ou da humilhação. Vêm velhos até de setenta anos. Com exceções, os calouros, que são de origem humilde, têm ar de subnutridos. E o auditório aplaude. Há prêmios em dinheiro para os que acertarem através de cartas o número de buzinadas que Chacrinha dará; pelo menos foi assim no programa que vi. Será pela possibilidade da sorte de ganhar dinheiro, como em loteria, que o programa tem tal popularidade? Ou será por pobreza de espírito de nosso povo? Ou será que os telespectadores têm em si um pouco de sadismo que se compraz no sadismo de Chacrinha?

 

Não entendo. Nossa televisão, com exceções, é pobre, além de superlotada de anúncios. Mas Chacrinha foi demais. Simplesmente não entendi o fenômeno. E fiquei triste, decepcionada, eu quereria um povo mais exigente.

 

(Clarice Lispector, in Todas as crônicas. Prefácio de Marina Colasanti; organização de Pedro Karp Vasquez; pesquisa textual de Larissa Vaz. – 1ª ed. – Rio de Janeiro: Rocco, 2018. Publicado originalmente no Jornal do Brasil em 7 de outubro de 1967.)


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