PAPIRO
suspiro,
desviro
a
fria folha de cima
congelada
dobro-a
e me desdobro
mergulhada
nessa folha inerte
mas
a folha não responde
‒
já é (apenas) dobradura
pudesse
falar
pudesse
rimar
e
eu mal consigo desenhar
cada
vez mais, distancio
do
ouro, da glória do louro
preciso
excretar
esse
papiro prematuro
casulo
de mim
PÉ NA ESTRADA
Passos
incertos vagueiam
sem
capitalismo selvagem
sem
juros em alta
nem
meus pés
nem
minhas ideias distorcidas,
desidratadas
pelo micro-ondas
nem
meu olhar
sabem
o destino
Mas
fui capturada
pelo
cheiro das nascentes que brotam
ao
ouvir um sino alhures
apalpo
as bússolas líquidas
que
norteiam a margem do rio
e
me convidam a fazer a travessia
ofício
das repetições
vento
que sopra insônias, canções e sorrisos
Seivas
em profusão de cores
arquiteturas
de texturas e frescuras
cores
claras e escuras que trazem curas
com
a chuva sertaneja e benfazeja
cuja
delicadeza dos pingos entoam epifanias
são
crianças a saltar poças, paus, minérios retorcidos
que
despertam labirintos da floresta antes adormecidos
RENASCER
Quero
acreditar que amanhã será um novo dia
mesmo
sob o olhar vago do outono temporão.
Que
venha a mansidão tomar conta
do
verde sem cor após o verão abrasador!
Quero
acreditar que amanhã será um novo dia
por
mais que as tempestades de inverno
esgarcem
a minha silhueta frágil de mulher-árvore.
Sinto
a densa seiva a me alimentar
e
as verdes-folhas-selvagens-homem a brotar!
Quero
acreditar que amanhã será um novo dia
mesmo
me sentindo tão só,
mesmo
sabendo o quanto a incompletude me domina,
mesmo
que as verdes-folhas-selvagens-homem
me
deixem temporariamente nua,
pois,
sob o concreto da selva de pedra,
as
fortes raízes da mulher-mansa-árvore anunciam
que
a primavera é tão certa quanto o vento que sopra!
Sobre a autora
Rozana Gastaldi Cominal escreve porque sonha com uma sociedade menos desigual onde o respeito mútuo seja a base do diálogo, onde a poesia e a sororidade estejam na ordem do dia. Acredita na força dos coletivos e com eles faz voz. Organizadora da Antologia Cotidiano, Poesia e Resistência, Siano, 2021. Autora do livro de poesias Mulheres que voam, Scenarium, 2022. Participou da Antologia Comer é um Ato Político, Taup, 2022. E da Revista Plural Desvairada, Scenarium, 2023.
Instagram: @rozanagastaldi
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O Poesia na Alma pertence ao universo da literatura livre, como um bicho solto, sem dono e nem freios. Escandalosamente poéticos, a literatura é o ar que enche nossos pulmões, cumprindo mais que uma função social e de empoderamento; fazendo rebuliço celular e sexo com a linguagem.
Instagram: @poesianaalmabr