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Quero acreditar que amanhã será um novo dia | Rozana Gastaldi Cominal

 


PAPIRO

 

suspiro, desviro

a fria folha de cima

congelada

dobro-a e me desdobro

mergulhada nessa folha inerte

 

mas a folha não responde

‒ já é (apenas) dobradura

pudesse falar

pudesse rimar

e eu mal consigo desenhar

 

cada vez mais, distancio

do ouro, da glória do louro

preciso excretar

esse papiro prematuro

casulo de mim

 

PÉ NA ESTRADA

 

Passos incertos vagueiam

sem capitalismo selvagem

sem juros em alta

nem meus pés

nem minhas ideias distorcidas,

desidratadas pelo micro-ondas

nem meu olhar

sabem o destino

 

Mas fui capturada

pelo cheiro das nascentes que brotam

ao ouvir um sino alhures

apalpo as bússolas líquidas

que norteiam a margem do rio 

e me convidam a fazer a travessia

ofício das repetições

vento que sopra insônias, canções e sorrisos

 

Seivas em profusão de cores

arquiteturas de texturas e frescuras

cores claras e escuras que trazem curas

com a chuva sertaneja e benfazeja

cuja delicadeza dos pingos entoam epifanias

são crianças a saltar poças, paus, minérios retorcidos

que despertam labirintos da floresta antes adormecidos

 

RENASCER

 

Quero acreditar que amanhã será um novo dia

mesmo sob o olhar vago do outono temporão.

Que venha a mansidão tomar conta

do verde sem cor após o verão abrasador!

 

Quero acreditar que amanhã será um novo dia

por mais que as tempestades de inverno

esgarcem a minha silhueta frágil de mulher-árvore.

Sinto a densa seiva a me alimentar

e as verdes-folhas-selvagens-homem a brotar!

 

Quero acreditar que amanhã será um novo dia

mesmo me sentindo tão só,

mesmo sabendo o quanto a incompletude me domina,

mesmo que as verdes-folhas-selvagens-homem

me deixem temporariamente nua,

pois, sob o concreto da selva de pedra,

as fortes raízes da mulher-mansa-árvore anunciam

que a primavera é tão certa quanto o vento que sopra!

  

Sobre a autora

Rozana Gastaldi Cominal escreve porque sonha com uma sociedade menos desigual onde o respeito mútuo seja a base do diálogo, onde a poesia e a sororidade estejam na ordem do dia. Acredita na força dos coletivos e com eles faz voz. Organizadora da Antologia Cotidiano, Poesia e Resistência, Siano, 2021. Autora do livro de poesias Mulheres que voam, Scenarium, 2022. Participou da Antologia Comer é um Ato Político, Taup, 2022. E da Revista Plural Desvairada, Scenarium, 2023.

Instagram: @rozanagastaldi


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O Poesia na Alma pertence ao universo da literatura livre, como um bicho solto, sem dono e nem freios. Escandalosamente poéticos, a literatura é o ar que enche nossos pulmões, cumprindo mais que uma função social e de empoderamento; fazendo rebuliço celular e sexo com a linguagem.

Instagram: @poesianaalmabr