sexta-feira, 30 de junho de 2023

Pequeno diário de um alucinado | Paulo Fares

 


Já desde muito tempo, costumo deitar-me cedo. E não pense, caro leitor, que com tal dito faço uma paráfrase vã do início do romance de Marcel Proust – lia-o com frequência, e admiro-o bastante inclusive, mas isso não vem ao caso aqui.

 

Trata-se de um fato revelador de minha vida, desde que, em uma de minhas noites solitárias, fui visitado em meu quarto por um espectro demoníaco – demônio quase santo – que me atordoa e me alucina sob umas formas de menina...

 

Seu corpo estranho e alado é como um bálsamo venenoso. Vê-la em sonhos é sentir todas as tentações mundanas e, ao mesmo tempo, os enlevos celestes... É a doçura e a maldição deste meu coração.

 

Este anjo tem um nome, que em sonhos me murmura, que mescla a suavidade lírica de um som como Helena e ao mesmo tempo produz aquele arrepio temeroso quando se escuta um nome como "Mefistófeles"... Não ouso eu revelá-lo nestas linhas – que loucura seria! O meu pacto com esse espectro (espécie de pacto fáustico), exige que eu o esconda com devoção e zelo.

 

Murmura também em meus ouvidos, quando pouso minha fronte pesadamente cansada em meu travesseiro, inumeráveis promessas e desejos com a assinatura bendita dos seus férvidos beijos!... E em seguida (para a minha maldição!) dá-me o frescor do seu seio, como um ópio fraterno para o meu devaneio...

 

Que me importa que isso seja ilusão?! Viver sem tal engano já me é impossível! ... Que ele me leve à morte, ou ao apogeu da existência, je me monque! Tanto faz... Que eu viva imerso em sonho – em vez de viver tristonho...

 

Já vês que sou poeta, pacientíssimo leitor. Mas acima de tudo um alucinado onírico, refém do delírio salvador; e encerro este diário com um adeus cordial, de quem não sabe se acordará tão cedo para a realidade; pois, fazendo das palavras de Baudelaire as minhas últimas palavras: "Je veux dormir! dormir plutôt que vivre!" – resumo neste belo decassílabo a minha atual – e perturbadora – condição.

 

Sobre o autor:

Paulo Lucas Santos Fares nasceu em 25 de fevereiro de 1999. Filho de uma professora de literatura, desde cedo foi motivado a seguir o caminho dos livros, através dos quais se apaixonou pela poesia brasileira, e desde os 14 anos se aventura na criação literária. É autor do livro Rota Marítima, pré-lançamento de 2023 pelo Grupo Caravana Editorial, e participa atualmente de concursos e antologias literárias.

Instagram: @paulolucasfares

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