O tom apelativo das notícias nos deprime e enfraquece | Luciana Hidalgo
O
excesso de informação nos emburrece. O tom apelativo das notícias nos deprime e
enfraquece. O sensacionalismo nos incita o medo de tudo. A liberdade não
consiste em estar informado, mas em refletir sobre a informação. Informação não
é conhecimento. Conhecimento é o que cada um consegue fazer da enxurrada de
informações cada vez mais sensacionalistas e violentas.
A
internet começou como um espaço livre, democrático, e acabou virando um
presídio do pensamento, sobretudo de um pensamento mais original. Não por acaso
muitos alunos passaram a menosprezar a figura humana da professora, do
professor em sala de aula. É uma figura um tanto enfraquecida, que parece
ultrapassada pela tecnologia excessiva, mas ainda luta pelo conhecimento. Por
isso talvez seja tão perseguida, às vezes escorraçada, esfaqueada, assassinada
por aqueles alunos que não prezam o conhecimento, porque simplesmente o
desconhecem.
Hoje
pensei na Dona Yolanda, professora de português que me deu Clarice Lispector
para ler quando eu tinha apenas 11 anos. Não compreendi tudo que “Laços de
família” queria dizer, mas aquele gesto detonou na criança que eu era o desejo
desenfreado pelo conhecimento. Eu sabia que ali tinha algo a ser compreendido.
Sim, o conhecimento é complexo, exige tempo, raciocínio e, acima de tudo, uma
grande vontade de saber.
Muitos
amigos, professores de colégios, têm me contado histórias aterrorizantes desde
que a extrema-direita instaurou um poder paralelo com informações, fake news e
todo tipo de manipulação para impedir o raciocínio e o conhecimento. Inventaram
a Escola sem Partido fingindo “proteger” alunos de uma esquerda fantasmática,
totalmente inventada, e acabaram emburrecendo, manipulando toda uma geração.
O
efeito de toda essa perversão é o desrespeito cruel em relação à professora, ao
professor. Uma professora de História me contou que, durante uma aula sobre a
ditadura dos anos 1960-70 no Brasil, um aluno a xingou de “comunista” com
virulência. Ela perguntou o que ele entendia por “comunista”, ele não tinha a
menor ideia.
Também
eu já fui professora no Instituto de Letras da Uerj, por poucos anos, o suficiente
para entender a beleza, a importância, o altruísmo contidos nessa profissão.
Por isso, nesse momento dificílimo do Brasil, penso nos meus amigos professores
que se esforçam diariamente por uma educação de qualidade. São pessoas
inteligentes, cultas, preparadas, e hoje torço apenas para que fiquem vivas.
Chegamos a esse ponto: torcer para que professores simplesmente sobrevivam,
corpos intactos, à estupidez extrema.
Quando
lembro que Dona Yolanda despertou em mim a vontade de saber nos anos 1970, em
plena ditadura, quando o governo militar censurava até canções da MPB (!), fica
ainda mais evidente a relevância dos professores de hoje no combate à
ignorância da extrema direita.
Lula
ganhou a eleição, mas tirar o Brasil das trevas é um trabalho hercúleo, diário,
de todos nós, e que passa necessariamente pelo conhecimento, pela leitura, pela
literatura. Sair do celular e ler um livro é atualmente o maior ato de
resistência: fundamental, urgente, urgentíssimo. Trocar a mera informação pelo
verdadeiro conhecimento é uma revolução.
Sobre a autora:
Luciana
Hidalgo é escritora e doutora em literatura comparada, com
pós-doutorado em autoficção na Université de Sorbonne Nouvelle – Paris III, na
França. É autora do romance O passeador (Rocco), vencedor da Bolsa Funarte de
Criação Literária e finalista dos prêmios Jabuti, Portugal Telecom e São Paulo
Literatura em 2012; da biografia Arthur Bispo do Rosario – O senhor do
labirinto (Rocco) e do ensaio Literatura da urgência (Annablume), ambos
premiados com o Jabuti.
Instagram: @lucianahidalgo.b
Nossa, esse texto é um tapa atrás de tapa na nossa cara. É profundo, chocante e assustador, pelo fato de ser real. Eu não conhecia a autora, mas gostei bastante do estilo dela.
ResponderExcluirBjks!
http://mundinhodahanna.blogspot.com
Hidalgo é uma escritora maravilhosa. Adorei o texto, ele exprime muito meu sentimento, ainda mais com relação a sala de aula...
ResponderExcluirSer professora em tempos tão sombríos é um desafío...
Olá,
ResponderExcluirAcho que realmente ser um professor é algo que você tem ter vocação, é até simplificar de mais falar assim, mas considerando todas as dificuldades creio que seria por aí mesmo.
Oi, tudo bem? Achei bem interessante essa reflexão, ainda mais com relação aos meios de comunicação e o sensacionalismo. Matérias que gerem cliques, engajamento, e views. Muito mais do que saber se certos fatos realmente são verdadeiros. Faz bastante tempo que não assisto TV aberta, jornais, e nada do tipo justamente pelas fake news. Muitas pessoas não sabem diferenciar o joio do trigo. Um abraço, Érika =^.^=
ResponderExcluirOi, tudo bem? Achei bem interessante essa reflexão, ainda mais com relação aos meios de comunicação e o sensacionalismo. Matérias que gerem cliques, engajamento, e views. Muito mais do que saber se certos fatos realmente são verdadeiros. Faz bastante tempo que não assisto TV aberta, jornais, e nada do tipo justamente pelas fake news. Muitas pessoas não sabem diferenciar o joio do trigo. Um abraço, Érika =^.^=
ResponderExcluirSer professor vai muito mais além do que aquela figura na frente de uma sala de aula, que é o que o senso comum vê. Eu tenho muito respeito pela profissão. Desejo muito que seja uma profissão abençoada, com reconhecimento, com excelência, com dignidade. Nosso país nunca reconheceu um educador da forma com os educadores deveriam ser reconhecidos. A profissão que forma e educa a todos os outros...
ResponderExcluirTer conhecimento é fundamental para mudança de qualquer estrutura ou sociedade. é importante parar para olhar o passado e também buscar as informações, muitas vezes sem transmiti la quando houve duvida do conteúdo
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