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Corria num remendo de finos ajeitos | Nayara Oliveira

 


CAFÉ

Eu ainda hei de voltar pra casa
Passar um café
Esperar João
Suspirar na varanda
Gritar os meninos
Esperar na janela
Sorrir de banda.
Eu ainda hei de colher no quintal
Fazer um remendo
Rezar um terço
Ouvir a missa
Benzer o gado
Chorar um leito.
Eu ainda hei de correr no mato
Banhar no rio
Subir ladeira
Esfolar na cerca
Virar um verso
Ferver a água
Amém e bença.
Eu ainda hei de fazer promessa
Vestida de branco
E voltar pra casa
Fazer história e passar café.

 

FÔLEGO

depois de tê-la assim, inesperada, inoportuna,
repeti-a algumas vezes até descobri-la fluída, dançante e romântica.
quis retê-la, forçar a carne
torcer por um punhado generoso de frutos,
gastar os ossos até maturar as faces que tinha.
quis atirá-la no meu ninho de composições e devolvê-la a tempo.
perdi-me em elucubrações, analogia,
coincidência, faz de conta.
desandei em terra firme
fosse água, avistaria o mar.
supus, estúpida, que a palavra cabia tão bem em tanta coisa.
tomei-a úmida, delicada,
em partes, furiosa.
percebi-a na pele, enrijecendo as pernas e os ombros, a cintura e o peito.
senti-a na boca e salivei.
a tenho agora seca
incomodando a garganta
enfastiado os lábios
indefinida, indiferente
pronta pra ser tua de novo.

 

CANTIGAS DE MARÇO

A casa, de Adobe

Beirando a estrada

Corria num remendo de finos ajeitos

Boa luz peneirando os cômodos

O chão batido de terra

Esculpindo os homens

Entalhe feito na pele

Curtido de choro.

Na varanda, cantorias

Lá fora, o vento assobia apelos de março

Farfalha a saia das mulheres

Cobra indulgências

Desde as folhas nas árvores até o sopro que corteja adiante.

 

Sobre a autora

Nayara Oliveira, 26 anos, cria do Norte de Minas, de Nova Matrona é atriz, escritora, Psicóloga e se aventura no universo do cinema como diretora, produtora e roteirista. Atualmente participa do coletivo de escritoras Escreviventes. Escreveu e dirigiu o espetáculo O que andam lhe vendendo como amor em 2019. Escreveu e dirigiu o curta A vaidade da boca em 2020. Escreveu e dirigiu o espetáculo Tudo aquilo que eu queria dizer em 2021. Recebeu em 2022, por Anáfora, Menção Honrosa no 7º BDMG Cultural

Instagram: @poucoretilinea | @oliviernayara


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O Poesia na Alma pertence ao universo da literatura livre, como um bicho solto, sem dono e nem freios. Escandalosamente poéticos, a literatura é o ar que enche nossos pulmões, cumprindo mais que uma função social e de empoderamento; fazendo rebuliço celular e sexo com a linguagem.

Instagram: @poesianaalmabr