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A tela, o traço, a tinta e a mão | Marcela Salvador

 


TU ÉS ARTE, MULHER

 

A tela, o traço, a tinta e a mão

O toque, o tato, o abraço e o chão

Solidão

 

Vieste daquilo que não ousamos falar

Do toque amargo

Do beijo gelado

Daquele luar

 

A dualidade orgânica

A potência sublime

A interioridade interestelar

 

Daquilo que não somos,

Para aquilo que não seremos

 

Vieste de lá

Mas sem hesitar

Calou-te o cão com o seu uivar

 

Fizeste daqui a tua morada

E o teu coração transbordou o amar

 

Nem sempre potência

Nem sempre inocência

Da incerteza da vida

Foste o teu andar

 

Usaste do velho, aquilo que enraizou

Fizeste da trama o teu trançar

Sujaste as mãos

Cortaste o cordão

 

E daquela lembrança, doce luar

Fizeste da mulher calada

A fala silenciar

 

E enquanto juntaste todos os cacos despedaçados

Com os pés descalços

Usaste do sangue, tinta para arvorar

 

E naquele instante, ousaste sonhar

Pois tu és arte, mulher

E puro sonhar

 

E que tamanha transmutação

Essa de recriar.

 

JOGADAS AO LUAR

 

(Uma singela homenagem às mulheres da minha vida)

 

Vez ou outra vêm, intuitivamente, e então eu me doo e enxergo.

Foram mulheres, muitas delas, e todas elas, guerreiras, fortes e feito onça.

Me vestiram, me criaram, me zelaram, me alimentaram.

 

Todas essas mulheres, guerreiras, fortes e feito onça, todas, me inspiraram.

Mulheres, mulheres.

Vim de um ventre, que antes de ser ventre foi outro ventre e tantos outros.

 

Aprendizes, anciãs, bruxas, benzedeiras, mães.

Se me desmembrasse e pudesse enumerar, tampouco eu saberia decifrar, que de muitas mulheres eu me fiz criar.

 

De tantas delas, mulheres guerreiras, fortes e feito onça, sou.

E que cada uma, dessas tantas, que não preciso nomear, esteja presente e cheia de orgulho e prumo.

 

Pois dessas tantas, fiz de cada, todas elas.

Mulheres, mulheres.

Todas elas, guerreiras, fortes e feito onça.

 

Que vez ou outra vêm, e eu me deixo, intuitivamente, transbordar.

Não coube no colo, derramou pelo seio, deixou vingar, e dessas raízes tão sólidas,

De cores tão sublimes, me fizeram luar.

 

Deixou transbordar, e dela a semente, um pouco de gente e uma pitada de mar.

Dessas mães tão ferozes, dessas mulheres tão pobres,

Que do fogo fez a divindade semear.

 

Que todas elas, muitas delas, tão singelas, me fizeram brotar.

Que não só neste, mas em todos estes e tantos mais; que o dia seja sequer uma pitada de todas elas, mulheres, mulheres, guerreiras, fortes e feito onça,

Jogadas ao luar.

 

Sobre a autora:  

Marcela Schmitt Salvador é/está serrana, designer de moda, especialista em pensamento disruptivo e apaixonada por escrita intuitiva e afetuosa. Uma aventureira em busca de significados, analogias e expressões criativas.

Instagram: @ celasalvador

(Texto selecionado para o projeto Leitura Feminista, iniciado em 2019, em parceria com o blog Barda Literária que este ano, no mês de março, apoiará poetisas)


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