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Ele me disse uma hora dessas / Julia Abdalla

 




5

 

Ele me disse uma hora dessas

que vinha falando com as plantas do quintal.

Disse, na verdade, que a jabuticaba havia feito a ele um pedido.

 

Perfeitamente crédula,

ouvi sua explicação                 

e me lembrei de meus voos de criança

deliciosamente delirante

que fui

 

e senti saudade de ser,

mas não tanto mais.

Parte dessa saudade

virou amor por ele

 

SANTANA

 

Plantadora de vida,

de antúrios, lírios, mangas e tamarindeiro.

O mar, seu único medo, era também sua paixão.

As águas às quais tanto cantou,

à beira delas viveu, costurou, moeu, casou, pariu e amassou pão.

 

Fez casa de espinha de peixe.

Desfez também, sem perdão.

Sua coragem, seu estaleiro,

onde deus nenhum atuava sem sua permissão.

 

Plantadora de vida,

ela fez viver o lixo

durante todo seu tempo.

Ocupante final de uma era geológica,

cuja herança não foi a testamento.

 

Sua firmeza, minhas escolhas

Sua moral, meu arpão,

Sua ponte, minha espada.

Frutos seus, sua constituição.

 

Dona de si, dona de tudo,

em qualquer hora, ao redor do mundo,

mesmo quando seu próprio corpo a feria em traição.

Suportou vidas inteiras, chegadas e partidas,

cravou fontes, não forjou sucessão.

Plantadora de vida

de uma era geológica em despedida.

 

 

SANTANA II

 

Nilda subiu aos céus

Nilda desceu ao lodo

Recebida por Nanã e Santana

no laço das deusas, formou minha santa trindade.

 

Depositamos seu corpo na subida de um morro.

Sem mármores ou lápides,

ela se reencontrou com a terra vermelha

com a qual brincara ainda criança

nessa velha cidade.

 

Tomou seu tempo, parando com calma

até não mais respirar.

Seu último suspiro próximo do rio, nesse mesmo vale.

Não se sabe ao certo se seu marido também está lá.

 

Sobre a autora:

 

Julia Abdalla é socióloga e feminista, fluminense e de terreiro. Escreve desde sempre e um pouco de tudo porque precisa disso para ser feliz.

 

Instagram: @ojulia_voadora


3 comentários:

  1. Oi Lilian.

    Eu amei o primeiro poema, me tocou basstante e achei ele bem fofo. Os outros dois também são muito bonitos, mas, esse primeiro realmente me pegou de jeito, ando meio bobo depois que meu sobrinho nasceu e mal posso esperar para viver um momento como o do peoma.

    Beijos!
    Eita Já Li

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  2. Oi Lilian.
    Eu adorei o primeiro poema. A escrita da escritora parece ser deliciosa de apreciar. Pelo menos nos poemas que você apresentou, foram ótimos e deixou um gostinho de quero mais. Parabéns pelo post.

    Bjos

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  3. Oi Lilian.
    Eu adorei o primeiro poema. A escrita da escritora parece ser deliciosa de apreciar. Pelo menos nos poemas que você apresentou, foram ótimos e deixou um gostinho de quero mais. Parabéns pelo post.

    Bjos

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O Poesia na Alma pertence ao universo da literatura livre, como um bicho solto, sem dono e nem freios. Escandalosamente poéticos, a literatura é o ar que enche nossos pulmões, cumprindo mais que uma função social e de empoderamento; fazendo rebuliço celular e sexo com a linguagem.

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