Eu era espaço vazio / Stela do Patrocínio #PoesiaRotaMundo
eu era gases puro, ar, espaço vazio, tempo
eu era ar, espaço vazio, tempo
e gazes puro, assim, ó, espaço vazio, ó
eu não tinha formação
não tinha formatura
não tinha onde fazer cabeça
fazer braço, fazer corpo
fazer orelha, fazer nariz
fazer céu da boca, fazer falatório
fazer músculo, fazer dente
eu não tinha onde fazer nada dessas coisas
fazer cabeça, pensar em alguma coisa
ser útil, inteligente, ser raciocínio
não tinha onde tirar nada disso
eu era espaço vazio puro.
(DO PATROCÍNIO, Stella; MOSÉ, Viviane. Reino dos
bichos e dos animais é o meu nome. Rio de Janeiro: Azougue Editorial. 2001)
Sobre
a autora:
Stela do Patrocínio nasceu em 9 de janeiro de 1941 (Brasil). Interna desde 1962 da Colônia Psiquiátrica Juliano Moreira (a mesma instituição onde Arthur Bispo do Rosário foi internado) , impressionou a artista plástica Neli Gutmacher e seu grupo de alunos, que gravaram as conversas que constam no livro Reino dos bichos e dos animais é o meu nome (2001, Azougue Editorial). Faleceu em 1997, na mesma Colônia onde passou vinte e cinco anos.
Filha de Manoel do Patrocínio e Zilda Francisca do Patrocínio, Stella trabalhava como doméstica na juventude. Aos 21 anos, morava em Botafogo e, em agosto de 1962, quando pretendia tomar um ônibus para chegar à Central do Brasil, foi parada por uma viatura de polícia, na Rua Voluntários da Pátria. Segundo ela, a polícia a levou ao pronto socorro mais próximo, perto da praia de Botafogo. Dali, foi encaminhada ao Centro Psiquiátrico Pedro II, localizado no Engenho de Dentro, dando entrada na instituição em 15 de agosto. Desse modo, passou a ser involuntariamente um "sujeito psiquiatrizado", recebendo o diagnóstico de esquizofrenia.
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Poesia selecionada para o projeto RotaMundo
em parceria com o blog Na Literatura Selvagem que neste mês terá poetas dos
países: Argentina, Chile e Brasil.
Excelente poesia selecionada para o projeto Rota Mundo nessa ótima parceria com o blog Na Literatura Selvagem. Achei interessante a proposta. Gostei de conferir. Porque foi uma super novidade pra mim. Muito bom explorar novos trabalhos literários assim. Curti saber mais informações da autora também.
ResponderExcluirEu tenho muito interesse em obras e artistas oriundos da institucionalização. Fiz uma pós em Saúde Mental, onde meu TCC foi sobre Nise da Silveira, psiquiatra importante em muitos aspectos, entre eles, a arteterapia.
ResponderExcluirAmei esse texto!
Abraços
Olá,
ResponderExcluirQue interessante a poesia, achei legal todo o conceito de construção que se propõe.
Olá. Muito triste a história dela, e, infelizmente, é a história de milhares de brasileiros. Era prática comum nessa época a retirada dos "indesejáveis" das ruas e nos anos seguintes se aprofundou a perseguição, com a instalação da ditadura civil-militar em 1964 muitos opositores do regime foram taxado de loucos e encarcerados também. O mais assustador é que hoje isso ainda acontece. Se diminuiu de forma geral, ainda é pratica com a população em situação de rua e dependentes químicos. Uma lástima. Abraços.
ResponderExcluirMuito triste o que aconteceu com ela é tantos outros internados a força...
ResponderExcluirA poesia tá linda. Não li nasa dela, apesar de conhecer seu nome...