Não tenho a idade dos meus anos e outros poemas de Maria Cristina Gama
Maria Cristina Gama de Figueiredo
(1964-2010) foi poeta, artista plástica, compositora e bacharela (OAB-SP), nascida
em Aracaju/SE. Dedicou-se a atividades artísticas e seu primeiro livro
publicado foi A Próxima Índia (1998). Morreu aos 46 anos, vítima de suicídio
por arma branca dentro do próprio apartamento em Aracaju.
AMOR
AO DIFÍCIL
Não
tenho a idade dos meus anos,
A
caneta que me mim se movimenta
é
uma dor que arrebenta
quando
estou de pé e sangrenta.
Quando
minha mão se agiganta
Não
é por verbo vistoso que canta:
É
o que na planta dos meus pés cresce,
Maior
que a altura do meu tamanho.
Por
isso canto, ou seria muda,
Por
isso ando, ou seria manca.
E
sinto forças na garganta.
E
sinto dores na nuca.
É
dura a minha prece.
Mas
vivo orando.
SONETO DA PERMANÊNCIA
Fosse
a Razão a maior das nossas faculdades,
seria
a Vida graduada em universidades,
E
não esta luta armada entre o sim e o não.
E
eu estaria realizada.
Mas
não tenho nada. O tudo é um escopo, um soco, um pão.
Tenho
tudo. Tenho minhas mãos.
O
que faço é um esforço de oração às divindades.
Nesta
tarde já ganhei uma manhã.
Amanhã
é uma nova realidade.
Cada
dia uma obra, cada noite uma estrela que me fala.
Eis
a minha escola: cada coisa em sua hora.
E
sei o que fica um dia vai embora.
Tenho
outra lição: entre o nunca e o sempre
só
a raridade permanece.
CONTROVÉRSIA
Sob a forma revelada de um verso
Escondo uma angústia controvertida:
se dou ou peço o que me falta ou me sobra.
Mas faltando a parte dada, também sobra a
falta tida.
É tudo uma realidade invertida:
excedido do vazio, é que transbordo e me
entrego.
Quanto mais a falta falta, mais o oco se
alarga.
E quando tudo neste oco se comporta, já de
novo estou completo.
E de novo estou sem nada.
e a fome infinita precisa ser saciada:
com outras faltas e outros versos.
Ou senão nada falta, e nada nunca entrego.
Nem a fome propriamente dita, pois a fome
é uma procura acumulada.
Quando expresso o seu nome, sob nome
adverso,
revelo o que me sacia:
um estado controverso de Poesia.
Georg Stefan Troller
UMA NOTA
O Amor nunca é à primeira vista:
o Amor só é visto sem vestes depois de
testes de rotina.
antes disso as retinas nada vêem. só o
coração imagina.
aquilo que se cria é aquilo que se crê,
mas o Amor que quer o ser como ele é
é um trabalho de oficina no outro e em si:
é preciso amar-se no conhecimento para
conter o que se possa dar e receber.
Sim, é preciso ter discernimento e saber.
Senão não é nada: é uma trapaça egoísta,
verdade maniqueísta,
não aquele devotamento tamanho que traz a
pessoa atada.
e o meu desejo é ser amada cada vez que
amo.
mas a minha desdita é ver sem ser vista.
E não é tudo: cada vez que digo o Amor
numa palavra
sinto incompleto o meu discurso...
RITMOS
IV
A Poesia é bélica
a arma é rosa
e o coração é ateu.
TODA
POESIA
Toda poesia é fatídica.
se a poesia não está associada a um
acontecimento fatídico,
não é verdadeira poesia.
por isso tu, poeta de encomenda,
complacente organizador de idéias,
bondade acima de Deus,
desconhecedor orgulhoso de Satã,
não fizeste mais que irrelevante crônica
da tua ingênua ideação...
Iringo Demeter
A
PEDRA DE SEU SONHO
Assim agarrou-se um deus aos pés frios de
sua amada:
— Ama-me, ou mato-te!
Os sonhos dela, contudo, mulher de beleza
divina,
excluíam as imolações e os suplícios.
— Prefiro a morte, disse, serena, alheia.
E o deus, desamado,
o coração partido por se saber impotente
mas divino,
todas as bênçãos que recebera das Luzes
inúteis ao seu intento,
revistou, na mente, na sensação dos olhos
que a miravam,
a inexplicação da Sabedoria que o fizera,
naquele instante,
perder o controle do seu contrário.
Tudo lhe fora caro: o martírio das
solidões passadas,
a escravidão ao superior apelo de não se
sabe quem senão dele próprio
físico e mental,
mas nada valera para o amor que sufocava.
Tudo valera apenas para perdê-lo
sem, com isso, poder matá-lo.
PERDI
Eu perdi o seu Amor
porque eu sempre perco amores.
Não por ser inferior.
É por ser superior
incompreensivelmente
que perderei para sempre o seu amor.
LÁ
LONGE
Lá longe
eu me escondo,
procurarás?
APARTES
Nós vamos para o vão,
nós vamos comer, beber e trepar
o gozo que Deus dá.
FONTES:
FIGUEIREDO, Maria Cristina Gama de. A Próxima Índia: poesia sergipana /
Maria Cristina Gama de figueiredo. 1998.
Olá,
ResponderExcluirAchei alguns bem tristes e outros bem agressivos (principalmente o Toda Poesia).
Gostei de conhecer a autora.
Também percebi isso...
ExcluirOlá, os poemas são intensos, fortes, provocam sentimentos diversos na leitura, adorei o post, obrigada por compartilhar eles conosco!
ResponderExcluirOlá, tudo bem? Um misto de sensação lendo os seus poemas. Podemos ver que ela era bem versátil, o que nos enchem de diversas emoções. Gostei de conhecer a autora, e ver seus trabalhos!
ResponderExcluirBeijos
Uau. Excelente saber um pouco mais sobre essa poeta, artista plástica, compositora e bacharela (OAB-SP). Fiquei tocada lendo esses diversos poemas. Gostei da profundidade e sensibilidade expostas, tanto que a gente acaba lendo nas entrelinhas fazendo a própria interpretação deles e até se identificando. Muito bom conferir aqui. O trabalho da autora foi super novidade pra mim.
ResponderExcluirObrigada por visitar o blog.
ExcluirCaramba.. como não conhecia essa maravilha de poeta antes? Que versos tristes e belos.. 😯
ResponderExcluirObrigada por visitar o blog.
ExcluirGostei da seleção e do teor dos poemas. Escritos com alma e personalidade...
ResponderExcluirControvérsia foi um dos meus preferidos!
Obrigada por visitar o blog.
ExcluirOlá, adorei conhecer essa autora. Cada poema é um misto de sensações. São poucos os poetas que despertam esses sentimentos em quem está lendo.
ResponderExcluirEu adorei cada um dos poemas, achei que o estilo direto traz uma riqueza muito grande a rima. Gosto muito do estilo livre também, quando feito dessa maneira! Adorei demais!
ResponderExcluirOi, tudo bem? Gostei de saber um pouco mais sobre ela e também sua escrita. Creio que a idade que temos é relativa às experiências que tivemos ao longo da vida. Há pessoas idosas que viveram pouco e pessoas jovens que viveram muito. Surreal! Um abraço, Érika =^.^=
ResponderExcluir