O HOMEM BRANCO TRANSPARENTE - POR LEONARDO NÓBREGA
Manuel
Casqueiro encantou-se. O Gigante Gentil, como o apelidara o
escritor Bruno Paulino, findou sua missão entre nós e na grande livraria do céu
foi reencontrar seus companheiros de batalhas em plagas africanas, aqueles com
quem tinha um pacto: eternizar nas letras suas histórias, seus heroísmos, seus
amores e suas memórias .Contava ele que ao partirem para a guerra, sem certeza
de coisa alguma cinco amigos acertaram de no dia da vitória, ao se reunirem
novamente aqueles que sobrevivessem a tragédia humana faria um relato em forma
de livro honrando a luta e os companheiros. No dia da independência, no
hasteamento da bandeira ele se deparou com a triste realidade. Dos cinco apenas
ele estava ali.
Casqueiro
herdou o sangue revolucionário do pai, português deportado após se recusar a
ordenar, como tenente, uma violenta repressão a um protesto pacífico de
operários, e de sua mãe espanhola, que decidiu pari-lo na Guiné-Bissau e não em
Lisboa, o que lhe era permitido. Ele tinha orgulho de ser guineense, nunca mudou
sua nacionalidade, mesmo amando o Brasil e o Ceará, Estado escolhido para viver
em terras d’além mar. Sorte a nossa. Aqui ele fundou a AAFROCEL – Academia
Afro-cearense de Letras, da qual ocupei com muito orgulho a Cadeira 28, tendo
como patrono o escritor egípcio Albert Cossery.
Conheci
o escritor Manuel Casqueiro dois anos antes de conhecer o homem. No ano de 2012,
zanzando por uma feira de livros que acontecia na Praça do Ferreira, coração
pulsante da Cidade de Fortaleza, andava com um olhar flutuante (tipo escuta
flutuante da Psicanálise) quando uma bela e intrigante capa despertou
curiosidade. Era a imagem uma máscara africana (não sei exatamente de qual
país) na cor cinza e escrito embaixo MUZUNGU PULULU – Homem Branco
Transparente. Não precisei folhear; comprei. Uma semana depois havia terminado
de ler, mas o pensar sobre aquelas narrativas maravilhosas e tão cheias de
emoções ainda hoje está presente. Gosto disso, de ler um escritor desconhecido
e já no primeiro livro sentir proximidade com o autor, querer ler mais dele e
conhecê-lo, o que aconteceu três anos depois por uma armação do destino.
Fui
convidado pela amiga Lúcia Medeiros para participar do 3º Encontro Cearense de
Escritores, um evento patrocinado pelo SESC-CE que aconteceu nas cidades
serranas de Ibiapina e Ubajara. Foram três dias ótimos, palestras, feira de
livros, discussões sobre literatura e, claro, passeios porque ninguém é de
ferro. Éramos um grupo grande que partido em outros menores iam para diversos
locais ao mesmo tempo, talvez por isso não tenha percebido aquele senhor de
cabelos brancos com mais de dois metros de altura por dois de largura. Sim, era
o Casqueiro que eu, lesado, não reconheci. Ora! Deem um desconto, tinha visto a
foto dele três anos antes e confesso que não sou bom fisionomista. Pois bem,
retornando para Fortaleza, dentro do ônibus sou agraciado com um presente do
Gigante Gentil, um livro com o título A Lança de Nzambi. Nesse momento meu
dopado cérebro voltou a funcionar e liguei os pontinhos ao ver uma capa com
designe semelhante à do “Muzungu” e, obviamente, o nome Manuel Casqueiro, fui
até a poltrona dele e perguntei: O senhor é o Homem Branco Transparente?
Foram
cinco anos de uma convivência fraterna, onde aprendi muito. Casqueiro era
sempre gentil, tinha um humor refinado, irreverente e uma gargalhada
contagiante. Sempre sabia o que dizer e como dizer, era uma pessoa muito doce e
generosa, nunca recusou um convite (e fiz muitos) para falar aos alunos da
minha escola e nunca cobrou nada por isso, queria apenas que fosse busca-lo e
leva-lo de volta, acho que era mais pelo papo no trajeto do que outra coisa e
eu adorava, dirigia o mais devagar que podia para prolongar a companhia. Uma
vez, lembro que um aluno perguntou se essa paz que ele exalava era comum a todos
que viram a morte de perto, que testemunharam a insignificância da vida humana,
se isso mudava as pessoas; ficou longamente contemplativo e respondeu que com
ele mexeu bastante, mas não podia afirmar se isso acontecia com todos.
Manuel Casqueiro migrou cedo demais,
ficamos todos órfãos. Ficou a saudade, a referência, o exemplo, a admiração, a
lembrança de suas camisas coloridas alegres como ele e seus escritos; seus
belos escritos que nos consolarão até que nos reencontremos em algum lançamento
de livros em outro plano. Fique em paz amigo irmão.
Livros de Manuel Casqueiro. (A família se comprometeu a publicar mais um que ele deixou escrito)
"O escritor guineense Manuel do Carmo Casqueiro faleceu no último dia 7 de fevereiro, aos 73 anos, após um quadro infeccioso, deixando esposa, dois filhos e três netos." (UNILAB)
Que relato tocante.
ResponderExcluirAdmito que não conhecia as obras de Casqueiro, mas fiquei com muita vontade de lê-las e aprecia-las, assim como o autor que escreveu o texto. Também fiquei encantada com a relação de amizade dos dois e em saber mais da vida de Casqueiro. Que um dia todos possam conhecer o seu legado deixado na Literatura.
www.sonhandoatravesdepalavras.com.br
Obrigado pelo seu comentário, Thainá. Procure conhecer sua obra, garanto que vai se apaixonar por seus escritos. Hoje,20/02, ele estaria completando 74 anos. Abraço.
ExcluirOlá, tudo bem? Nossa, uma grande perda para a literatura. Admito que não conhecia sua obras, porém para seus fãs com certeza é uma fatalidade um pouco triste. Saber um pouco mais da sua trajetória foi interessante, e fiquei bem curiosa com as temáticas que ele trabalha. Com certeza está tendo uma festa lá no céu!
ResponderExcluirBeijos
Ana, obrigado pelo seu comentário. Procure conhecer a obra dele, vale muito a leitura, aliás, hoje, 20/02, ele estaria completando 74 anos. Abraço.
ExcluirQue lindo seu relato. Apesar de não conhecer a obra desse autor ( irei certamente) gostei bastante de conhece-lo um pouco através de você. Que pena que ele nos deixou, ainda bem que os livros são imortais.
ResponderExcluirLinda matéria
Abs
www.chuvanojardim.com.br
Oi, Rê. Obrigado pelo comentário. O Casqueiro deixou um vazio enorme na literatura e no exemplo pessoal para todos nós, leia os livros dele, você vai adorar. Abraço.
ResponderExcluirQue post emocionante! Eu não conhecia o autor e depois de te ver falando com tamanha admiração eu só poderia me interessar pelas obras dela. Espero ter a oportunidade de ler em breve
ResponderExcluirOi, Beatriz. Obrigado pelo comentário. A homenagem é completamente verdadeira, era e será sempre uma pessoa de luz e um escritor fantástico e importante para o continente africano de onde conta suas histórias. Abraço.
ResponderExcluirOlá!
ResponderExcluirAchei um texto sobre o autor muito bacana. Eu ainda não conhecia e já fiquei curiosa de ler suas obras. Espero que a familia cumpra com o que prometeu
Olá, @Kzmiro. Obrigado pelos comentários e não deixe de ler as obras dele, você vai gostar muito. Abraço.
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