A ARTE IMITA A VIDA / LEONARDO NÓBREGA
HAMLET - ATO 3, CENA 1 -
CELSINHO, NA SALA DO CASTELO
“Ser ou não ser, eis a questão. / Será mais nobre
sofrer na alma / Pedradas e flechadas do destino feroz / Ou pegar em armas
contra o mar de angústias / E, combatendo-o, dar-lhe fim? / Morrer; dormir; / Só
isso. E com o sono – dizem – extinguir / Dores do coração e as mil mazelas
naturais / A que a carne é sujeita; eis uma consumação / Ardentemente
desejável. Morrer, dormir…"
O espectador da terceira fila da
plateia do teatro, sentado ao lado da esposa e imerso no que se passa no palco,
deixa escapar uma lágrima e pensa em suicídio. Imaginamos, então, que o ator
deve ser realmente muito competente, ou o texto do Bardo foi pensado e
produzido para provocar exatamente esse efeito. Talvez as duas coisas. Porém,
existem mais mistérios nas emoções que ligam a arte às pessoas: suas próprias
histórias. Quando um artista (Escritor, escultor, compositor, pintor, design...) transborda e manifesta sua arte tornando público o que
corria privadamente nos seus úmidos e escuros porões mais profundos e quase
nunca visitados, consciente ou não ele está, nesse momento, se libertando de
fantasmas que o torturam, de desejos que foram reprimidos por fazerem-no
sofrer.
A
arte é, então, um ato catártico, uma forma de sublimação. A catarse do artista
reverbera no desejo (reprimido ou não) de seus “consumidores” que, não raras
vezes saem com expressões como: “esse sou eu”, “parece escrito por mim”, “esse
artista me conhece” ou até uma famosa “...que perguntar, carece, como não fui
eu que fiz”? (Milton Nascimento). Nessa relação os dois lados se beneficiam e
gozam cada qual a sua maneira, vendo na obra não necessariamente a mesma coisa,
mas extraindo dela o que lhe convêm, aquilo que cala profundo no seu ser e que
incomoda sua alma. É possível, assim, para o espectador/leitor/ouvinte viver
uma outra vida, ser o herói que em uma cena está ferido de morte e na seguinte
reaparece curado superando tudo e conquistando a gratificação final, tal qual
nos Contos de Fadas. Há nesse percurso uma satisfação primária, assim como o
brincar proporciona para a criança no seu mundo de fantasias, as manifestações
artísticas oferecem um lugar seguro para experimentar o que se deseja sem
riscos reais. Como Freud nos diz, a arte é o meio / caminho entre o Real
(frustração) e o Imaginário (realização).
Então
o nosso querido espectador da terceira fila não foi as lágrimas por causa do
drama de Hamlet, mas do seu próprio, que o carregou nos braços da regressão de
novo a infância e ao auge do Complexo de Édipo onde havia o desejo conflituoso
da morte do pai para assim desposar a mãe, ou ainda, posso imaginar, o choro é
pelo sentimento de culpa por, assim como Cláudio, ser um traidor e desejar a
cunhada. Porém, essa é a história do homem ao lado da esposa, para quem a cena
não diz nada e que inclusive a acha maçante chegando a deixar escapar bocejos
tediosos. Daí a expressão popular verdadeira de que gosto não se discute,
porque gostos (e gozos) são formados diferentes em cada indivíduo e dependem de
sua jornada pessoal. A arte toca a cada um no seu mais profundo sentimento e
emoção e muitas vezes a obra tem sua valoração pela vida do artista, nesse caso
se busca entender o objeto pelo objetivo que se supõe tinha o autor, levando em
conta traços de sua personalidade ao estudar sua trajetória de vida e outras
obras de sua lavra. É o caso da célebre pintura de Leonardo da Vinci, La
Gioconda, quantas pessoas você conhece que admira aquela pintura não por
identificação pessoal, mas pelo apelo à vida do gênio criador, que nem tinha a
pintura como sua ocupação principal, entretanto era um mestre também nessa
arte.
Acredito
que alguns tipos de arte, estão mais propensas a essa ligação entre artista,
obra e espectador/degustador. As artes cénicas e as artes plásticas, em
especial, dão, como se diz, panos para as mangas. São passíveis de mais
ressignificação do que, por exemplo, uma obra literária. Algumas interpretações
chegam a ser tão díspares que são cômicas, como a pintura O Grito (Edvard
Munch) que pode representar a angústia do homem ou o Macaulay Culkin
na cena mais famosa do filme Esqueceram de Mim; ou a escultura O Pensador (Auguste Rodin) que compõem, junto com outras cento e
cinquenta peças O Portal do Inferno de onde, com vida própria, ganhou o mundo,
mas, por mais absurdo que pareça já ouvi alguém dizer que a imagem que, segundo
o artista significa Dante meditando sobre a humanidade nos portais da danação,
é apenas um homem nu tentando lembrar onde esqueceu as roupas. Brincadeiras claro,
porém, essas interpretações realmente são ditas, de forma chistosa, mas são. Outra
forma de arte que dá muita margem a interpretações individuas marcadas pela
vida de cada pessoa são as canções, essas calam profundamente em nós, despertam
sentimentos e emoções dos momentos em que as ouvimos, nos trazem mensagens de
um passado, um amor, uma dor que já não existe e que, no entanto, faz reviver
aqueles momentos. E no caso das músicas uma só por vezes é ressignificada de
diversas maneiras pelo mesmo indivíduo. Vocês que tiveram a paciência de ler
até aqui me permitam um exemplo bem pessoal.
A
música Você não me ensinou a te esquecer, tema do filme Lisbela e o
Prisioneiro, de autoria de Fernando Mendes, me remetia a nada, era apenas uma
canção romântica, porém, após o falecimento do meu pai em 2013, ela passou a
ter outra carga emocional, sempre que ouça a música agora recordo meu pai, não
porque ele gostava dela (nem sei se a ouviu alguma vez), mas pelo refrão. E,
como disse anteriormente, as canções possuem essa característica, pergunte a
várias pessoas o que elas entenderam de determinada canção e certamente terão
algumas respostas diferentes. Eu já testei. Fiz uma seríssima pesquisa de
opinião em uma mesa de bar cercada de amigos ébrios quando o cantor tirou em
seu violão a música Mulheres, do Martinho da Vila, na época ela estava no auge
do sucesso e surgiu no ciberespaço uma polêmica que dizia que fora feita em um
romance homossexual, que a pessoa escondida na letra seria um homem e que a
declaração seria para um amor entre homens. Muito bem, minha pesquisa, aprovada
pela Nasa (Nazaré, minha mulher) era sobre o que cada um achava disso. As
respostas? A maioria foi na dita “normalidade” e afirmou que era sobre um amor
homem/mulher e que o rapaz finalmente achara a alma gêmea; outros foram com a
corrente que dizia ser homossexual; um (e esse está em análise comigo rsrs)
disse que essa mulher perfeita era a mãe dele. Porém, a maior surpresa foi a de
um camarada que foi onde ninguém tinha ido, ele afirmou que a canção fora feita
para um homem apaixonado por uma lésbica, e para defender seu ponto propôs
analisarmos essa estrofe:
Procurei em todas as mulheres a felicidade/Mas eu não encontrei e fiquei na saudade/Foi começando bem mas tudo teve um fim/Você é o sol da minha vida a minha vontade/Você não é mentira você é verdade/É tudo que um dia eu sonhei pra mim.
Que
essa mulher não era mentira, era verdade e que era um amor sem sexo. Nada mais
foi dito ou perguntado. Pedimos a conta, pagamos e fomos embora em silêncio.
Então
o que todos já sabiam, que a arte pertence a quem consome, tomou um novo
sentido para mim (acho que para todos lá) e vi que existem mais tipos de consumidores
do que pensávamos.
Ao
leitor desse texto: A minha intenção ao escrevê-lo não importa, importante é o
que surgiu no seu íntimo e na sua história de vida. Se quiser nos conte, nos
comentários, seus sentimentos e emoções frente as obras de arte. Abraços.
E digo é com essa e nessa arte que desejo ser, passar a entender o meu interior, porque hoje compreendo que a arte me eleva e me traduz naquilo que ainda não consigo expressar em palavras...
ResponderExcluirQu lindo. Gratidão por vir aqui apreciar as belas palavras do amigo Leonardo ^^
ExcluirMuito feliz pelo seu comentário, espero que tenha realmente tocado seu coração. Abraço.
ExcluirOi, tudo bem? Adorei a reflexão, eu acho que a arte é essencial pra gente se descobrir como pessoas, sabe? Acho que não é bem uma "imitação" que a gente vê na arte, mas um reflexo desconjuntado, que uma hora faz sentido pra gente. Acho que a arte e a vida são meio indissociáveis, porque uma fala da outra o tempo inteiro. Uma cantora de quem gosto muito, um dia, escreveu num artigo que "expressão é sobrevivência", e eu acredito muito nisso. A gente faz arte para sobreviver, para que a vida não nos engula, então é meio óbvio que muitas questões mundanas vão perpassar pela arte e, por conseguinte, atingir os públicos de formas peculiares e pessoais. Adorei seu texto, parabéns, esse tipo de reflexão, especialmente, é essencial nos dias de hoje, nos quais a arte está cada vez mais vista como uma inimiga, quando ela é o oposto. Ela pode servir para a gente entender toda uma humanidade escondida.
ResponderExcluirLove, Nina.
www.ninaeuma.blogspot.com
Adorei essa análise da arte como um reflexo, bem isso mesmo. Reflete e fortifica o que cada um trás em si. Muito obrigado pelo seu comentário. P.S.: Visitando seu blog)
ExcluirNenhuma expressão artística mexe tanto comigo quanto a música. Gosto de todos os tipos (exceto músicas internacionais e rock metal - não entendo nada mesmo), mas aquelas que falam de amor são a que mais me tocam. Ou seja..gosto de todas. Elas representam os diversos tipos de amor; seja por pessoas, animais, carros, objetos, sexo, estilo de vida,natureza, religião. Seja uma declaração de amor ou de sofrimento por ele. A música transborda amor ; talvez esse seja o meu combustível.
ResponderExcluirComo diria Nietzsche, "sem a música a vida seria um erro". Realmente é uma das manifestações mais profundas e das que nos apropriamos mais, é uma arte muito ligada aos sentimentos e emoções. Obrigado por seu comentário.
ExcluirCara, acho cada vez mais necessário se descobrir e se entender, eu preciso muito disso!
ResponderExcluirNunca parei pra pensar se a arte imita a vida ou ao contrario, mas lendo o texto, acho que posso dizer que é como um espelho, as coisas se refletem...
Adorei essa reflexão e estou sem palavras agora! Nossa!
É exatamente isso, nunca sabemos onde a vida imitou a arte ou ao contrário, mas sabemos que ela nos toca, emociona e ajuda a viver. Obrigado pelo seu comentário.
ExcluirOlá, tudo bem? Que bacana essa reflexão, achei o tema bem interessante e diferente. Adorei teu texto!!!
ResponderExcluirBeijos,
Duas Livreiras
Larissa, obrigado pelo comentário e leia os meus outros textos aqui no Poesia. Abraço.
ExcluirE não é que eu gostei dessa comparação, ou melhor, reflexão?
ResponderExcluirEstudei fotografia por alguns anos e lembro que um professor disse que não existia imitação e sim reflexo. Que a arte tinha o poder de nos mostras quem realmente somos e o que se passa dentro da nossa mente. E acredito nisso!
Adorei a publicação
Sai da Minha Lente
Clayci, obrigado por seu comentário. Infelizmente esqueci de colocar a fotografia no texto, mas são tantas artes. Prometo fazer um sobre a fotografia. Abraço.
ExcluirOlá tudo bem? adorei o post, acredito que a arte é uma área fundamental em nossa vida, e deve se incentivada sempre que possível!
ResponderExcluirObrigado pelas palavras amáveis. Certamente cada vez mais a arte é resistência.
ExcluirÉ um tema bem diferente. Gostei! A gente encontra inspirações em diversas coisas e cada um de uma maneira diferente. É sempre questão de parar, refletir e conhecer tudo ao nosso redor. Realmente a música é a arte que mais inspira as pessoas.
ResponderExcluirBeijos,
Blog PS Amo Leitura
PS Amo Leitura, obrigado pelo comentário. Espero que as músicas lhe inspirem coisas boas e lembranças felizes. Abraço.
ExcluirOiii Leonardo
ResponderExcluirTexto maravilhoso. É incrivel como tem musicas que num primeiro momento realmente não nos remete a nada, mas depois passam a ter um sentido diferente conforme a gente passa por alguma situação. Eu desde pequena fiz muito ballet classico e minha primeira apresentação foi Alice no país das maravilhas. Te juro que até hoje se escuto a história, vejo uma imagem ou qualquer lembrança desse clássico, revivo literalmente a minha infância e aquele momento a minha vida, eu associei esse clássico à essa minha lembrança particular. E o mesmo tb me acontece com filmes ou musicas que vi ou escutei em algum momento da vida e se escuto hoje me lembro imediatamente do que eu estava vivendo naquela época, é incrivel isso, como a arte entra no coração e faz a gente associar à nossa própria vida certos momentos. Tem filmes que passam mensagens que inspiram a gente, fazem até mesmo a gente mudar ou repensar em certezas que acreditavamos ter, enfim, toda forma de arte é de certa forma mágica
Beijos, Alice
www.derepentenoultimolivro.com
Muito bom saber que você gostou da minha pequena reflexão e agradeço por citar os filmes, que não foi possível colocar no texto (mentira, eu esqueci mesmo rsrs). Abraço.
ExcluirOi, tudo bem?
ResponderExcluirAdorei o texto e achei uma análise super interessante. Acho que a arte, de um modo geral, desperta diferentes interpretações e emoções em cada um. As nossas experiências e lembranças acabam influenciando mesmo em como enxergamos algumas obras e nos sentimentos que elas nos causam. Para mim, isso é mais evidente ainda na música mesmo. Determinadas experiências ou acontecimentos mudam totalmente o significado de uma música para nós. Por exemplo, quem nunca sofreu ouvindo uma que lembrava o(a) ex, né?
Enfim, adorei o texto e achei uma reflexão muito interessante.
Beijos!
Oi, Maria Luíza. Obrigado pelas palavras gentis sobre o meu pequeno texto, e também por concordar que as músicas nos calam mais profundamente. Abraços.
ExcluirQue texto incrível e reflexivo! Ajuda interpretar emoções próprias para com as obras do universo! Sem palavras!
ResponderExcluirValeu, Yelloobow. Que bom que gostou, é tocante mesmo como a arte nos afeta. Abraço.
ExcluirOlá, tudo bem? Que texto maravilhoso. Realmente a percepção sobre obra e artes são realmente interpretativas e diferenciais para cada pessoa, por isso foi maravilhoso ver sua reflexão sobre, e ainda com um exemplo pessoal super interessante. Adorei!
ResponderExcluirBeijos,
http://diariasleituras.blogspot.com
Olá, Ana Caroline. Obrigado por seu comentário, é legal ver que o que escrevemos toca outras pessoas. Abraço.
ExcluirOlá,
ResponderExcluirEu acho que se tal arte (seja ela para ver, ouvir ou ler) não tem afeta de algum jeito e não traz nada pra você não é exatamente arte (ao menos penso assim). E sobre a música Mulheres do Martinho da Vila eu continuo achando que é um homem que traiu a mulher e está tentando voltar pra ela hahahahaha.
Amei muito seu texto.
Debyh
Eu Insisto
Oi, Debyh. Obrigado pelo seu comentário. A arte só é arte aos olhos de quem se sente tocado mesmo e nem toda produção artística será reconhecida como tal por todos, para o meu pai a pintura abstrata não era arte,já em um consultório de psicanálise ou psiquiatria será arte / ferramenta de trabalho. Quanto a música... dá uma chance pra ele, aceita de volta (rsrsrsrs). Abraço.
ExcluirOi, tudo bem?
ResponderExcluirGostei bastante do seu texto, ele me rendeu boas reflexões e descobertas. Eu gosto muito da música, e acho que além da escrita, ela é uma das formas de expressão que mais aprecio, pois é interessante como ela pode ser um pouco de tudo.
Oi, Karol. Que bom que gostou. Eu também acho a música a arte mais marcante (embora eu seja escritor rsrs) e que mais recordações nos trazem. Obrigado pelo comentário. Aqui no blog tem outros textos meus. Abraço.
ResponderExcluirOlá, tudo bem? Que texto mais completo e enriquecedor! Me lembrou bastante as teorias gregas sobre a arte ser uma forma de imitação e tudo mais, sabe? Acredito eu, que a arte seja esse processo de dentro para fora, sabe? De externar e tudo mais.
ResponderExcluirOla, Dayhara. Obrigado pelo seu comentário, excelente essa coisa da arte ser de dentro pra fora, é exatamente isso. Abraço.
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