Resenha – A agonia e a decadência na Pele
Curzio
Malaparte, pseudônimo de Kurt Erich Suckert, (1898-1957) nasceu
em Toscana – Itália, além de jornalista, escritor, dramaturgo e cineasta, lutou
na I Guerra Mundial e recebeu várias condecorações por
bravura; foi membro do Partido Nacional Fascista, entretanto, em um de seus
artigos ataca a imagem de Hitler e Mussolini que culmina na expulsão do
partido e a condenação ao exílio na ilha de Lipari entre 1933 e 1938. Entre 1938
e 1943, Malaparte ficou preso no temido presídio romano de Regina Coeli.
A história de Malaparte é perturbadora e
contraditória, um exímio escritor, porém, como ele mesmo denominou: uma ‘puta do
fascismo’, ou seja, um homem político de poucos escrúpulos, visto que seu
primeiro livro também ajudou Mussolini a consolidar o Fascismo na Itália. Porém, é possível destacar A Pele como uma denúncia aos horrores que a Europa fora
capaz de materializar contra a liberdade e a vida.
“O Deus de Nápoles, o totem do povo napolitano, estava morto.”
Em A
Pele (1949), Editora Autêntica, tradução de Beatriz Magalhães, que
deveria se chamar A Peste – título já reivindicado por Albert Camus (1947) – e acabou representando o primeiro capítulo do livro, Malaparte faz um retrato de sociedade
europeia em sua decadência moral e individualista, denominada pelo autor como ‘carne
podre’. Nesse contexto, o livro questiona a chegada das tropas aliadas na
Europa, mais precisamente Nápoles. Afinal, como ajudar uma Europa desconhecida
em essência pelas tropas aliadas americanas? Quais os ônus dessa ‘ajuda’? É digno da vitória aquele que vence a guerra?
Além dos horrores da guerra, miséria e
abandono, Nápoles ainda precisa sobreviver a então figura do vulcão Vesúvio,
quase um Deus gigante e personificado em homem para determinar quão mais medíocre
poderia ser a vida dos napolitanos. O Vesúvio que é a plena representação da
superioridade da natureza e que vencedores e derrotados ficam a sua mercê. E nesse
contexto, a pele representa que é cada um por si e ninguém por nós.
A Pele é um romance sobre Nápoles e a II
Guerra Mundial e um retrato pelo verbo da guerra, para alguns, como Ênio Silveira,
se aproxima de Picasso em Guernica ou Goya em O Desastres da Guerra, “Uma obra prima de violência, de crueldade,
de degradação e, ao mesmo tempo, de louvor à condição humana”.
Malaparte escreve A Pele quando já está a
serviço dos aliados e ele passa pelos estágios de algoz, vítima e herói (a julgar
que está a serviço do exército americano), informação que julgo válida para compreender a obra. O ponto da ironia na obra é o tempero
da crítica em que os ‘vencedores’ necessitam dos ‘vencidos’ para integrar seu exército.
Os vencidos passam a usar os uniformes dos
soldados mortos em batalha pelos próprios vencidos e há nesse retrato a
decadência da integridade humana que tem o seu impacto mais nefasto no mercado
da prostituição que engoliu crianças, mulheres e homens, cada um avaliado em
preço pela sobrevivência, homossexualidade e fome. Tudo descrito sempre pelo viés
do horror e degradação humana.
Os preços das meninas e dos meninos, há alguns dias, caíram, e continuavam a baixar. Enquanto os preços do açúcar, do óleo, da farinha, da carne, do pão subiram, e continuavam a aumentar, o preço da carne humana caia dia após dia. Uma moça entre vinte e vinte e cinco anos, que uma semana antes valia até dez dólares, agora valia apenas quatro dólares, ossos incluídos.
E assim os preços da carne humana no mercado napolitano vieram precipitando, e se temia que isso pudesse ter consequências graves para toda a economia da cidade. (Não se tinha nunca visto coisas semelhantes, em Nápoles. Era uma vergonha, certamente, uma vergonha da qual a maior parte do bom povo napolitano se enrubescia. Mas por que as autoridades aliadas, que eram os patrões de Nápoles, não se enrubesciam?)
Além da chegada dos soldados aliados, em 1° de outubro
de 1943, uma peste eclode na cidade e desencadeia na “louca fúria” e repulsiva peste que atrofia a consciência humana. Pessoas
infectadas em corpo e alma, gerando mais violência e uma “macabra festa popular, de quermesse fúnebre”. O que resta para o europeu é a sobrevivência custe o que custar...
Há tanto a se dizer e pensar sobre A Pele,
sobre a angústia milimetricamente descrita em cada linha, parágrafo e página
que só é possível concordar com o personagem Jack Hamilton: “Não há qualquer importância se o que Malaparte conta é verdadeiro ou
falso. A questão a ser posta é bem outra: se o que ele faz é arte ou não”.
Não conhecia o livro, mas a premissa é daquele livros que me agrada muito. Não conheço nada sobre Nápoles e ainda que acho que a leitura poderia ser um pouco difícil eu adoraria conhecer as angústias descritas nessa obra. Sugestão anotada.
ResponderExcluirAbraços.
Puta do fascismo, isso sim é maravilhoso! Adoro livros com essa tematica, não tem erro comigo. Eu estudei um pouco sobre isso, mas vou investir nessa leitura pra descobrir coisas novas. Anotei a dica, já vou na amazon procurar ele.
ResponderExcluirEsse livro é uma obra de arte, me deixou perturbada...
ExcluirOlá, tudo bem? Caramba, não conhecia esse livro ainda, mas pelo o que tu disse parece ser uma leitura bem pesada. Adorei a resenha e fiquei curiosa para ler!
ResponderExcluirBeijos,
Duas Livreiras
Oiii
ResponderExcluirNão conhecia A Pele mas deve ser uma história extremamente contundente, tendo em vista a vida do próprio autor. Muitas celebridades e poderosos apoiaram Hitler ou Mussolini naquela época, não dá pra julgar, foram tempos confusos e ambos os ditadores enganavam bem em seus primeiros discursos, quando ainda se alçavam ao poder (li recentemente um livro sobre o Hitler antes d e se soltar chanceller e ele era realmente visto como uma esperança pra Alemanha, não ameaça, ele só se "revelou" após a tomada do poder).
Ainda não pude ler nada sobre o fascismo em si, sei bem pouco porque a figura do nazismo acabou ecoando mais alta em várias obras, por isso mesmo fiquei bem curiosa em conhecer essa obra. Vou pesquisar e ver se encontro, parece ser uma leitura perturbadora mas direta.
Beijos
www.derepentenoultimolivro.com
Olá, ainda não conhecia esse livro. Ele tem um contexto histórico bem interessante e um autor que me parece polêmico. Gostei muito de conferir sua opinião e é uma leitura que farei se surgir a oportunidade para ver essa obra sobre a condição humana no seu pior.
ResponderExcluirMuito polêmico o autor, o livro chegou a ser proibido, porém é inegável que se trata de uma obra de arte
ExcluirOlá, tudo bem? Não conhecia o livro e o autor, mas o assunto abordado é de grande interesse meu. Com certeza adicionarei aos meus desejados. Gosto dessa questão de trazer um retrato da guerra vivida. Dica mais que anotada!
ResponderExcluirBeijos,
http://diariasleituras.blogspot.com
Olha, é exatamente de livros assim que eu gosto. Eu ainda não o conhecia e fiquei com muita vontade de ler. Parece ser mesmo uma leitura perturbadora.
ResponderExcluirOlá!
ResponderExcluirNossa, confesso que estou impressionada com o livro e também com a resenha. Não conhecia a obra em si, mas de fato estou sem palavras. Confesso que não é o tipo de livro que faz o meu estilo, na realidade, É um tipo de leitura que costumo fugir, mas tenho certeza da riqueza que a compõe e de sua importância a sua maneira.
Beijos
Sou bem curiosa com leituras desse tipo e essa obra aparentar ter ganchos interessantes para querer saber mais. Parece ser retratado com uma visão bem polêmica e isso me agradou muito. Já anotei por aqui.
ResponderExcluirBjim!
Tammy
Estou atualmente lendo esse livro, e apesar de ser muito interessante, também tenho dificuldades em algumas partes para entender a mensagem que o narrador quer me passar, em parte pois não conheço muito sobre o contexto histórico do livro, em parte pela linguagem utilizada, e mesmo assim não consigo parar de ler!
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