da crueldade/ beatriz hierro lopes klein
Cruel.
Chamam-me. Que talvez seja de mim a crueldade das costas que se viram, das mãos
que se fecham ou da boca que se cala. Sou, de veias, vidro partido, e do meu
sangue apenas posso dizer «somente sangue» enquanto lavo o que me mancha. Sem
nódoa sou corpo inteiro, cabelo castanho escuro, e um espelho onde talvez veja
passar a minha própria sombra. Sei do mundo o que dele vi: que nunca foi de mim,
o desvio. Reta, sigo o choro de velhos; as asas partidas das gaivotas; os gatos
atropelados e de olho caído sobre o asfalto; a terra e o único cão que levei ao
colo na tarde em que as nuvens subiram desde o fundo do Mondego só para
dançarem sobre as nossas cabeças. Sou da água como do chão e quando me pedem
lume ofereço névoa por ser dela o princípio da chama. De onde venho ninguém
mais virá, e talvez seja apenas isso que haja para dizer, enquanto ouço «cruel»
e sorrio. Por saber de todas as vezes em que é a crueldade é chamada no lugar
dos pulsos que, por lhes correr o vidro, se abrem e deixam cair sobre a terra
os grilhões que um beijo planeou. Sou cruel, o mesmo é dizer que sou do vidro
que corta e que me abre portas e janelas na casa do meu corpo de onde escrevo
estas linhas.
Interessante como o lado cruel pode ser ao mesmo tempo o lado bom, tão bem mostrado no texto, mas que me encantou na frase final " vidro que corta e que abre portas e janelas na casa do meu corpo."
ResponderExcluirAmei.
Bjs Rose
Não é isso? Quando eu crescer, quero escrever como ela.
ExcluirAdoro textos assim, que conforme vamos lendo, vamos interpretando de uma forma. E o interessante é que nem sempre podemos interpretar do mesmo jeito de outra pessoa, não é?
ResponderExcluirO texto é profundo e nos mostra que nem tudo que é cruel é feio. Às vezes é uma forma de nos protegermos.
beijos
Olá, tudo bem? Caramba, que texto mais incrível! Além de ser muito bom, abre portas para diversas interpretações diferentes de diversos leitores. Adorei!
ResponderExcluirBeijos,
Duas Livreiras
"Sei do mundo o que dele vi" Que coisa mais profunda, que escrita mais maravilhosa! Acho que esse é realmente o conceito, a nossa experiência com o mundo é sentir, ver, absorver, extremamente sensorial, esse tipo de coisa reverbera na escrita, como foi esse o caso.
ResponderExcluirAmei o texto! Profundo e um tanto quanto complexo. Permitindo diversas reflexões e interpretações. Já anotei o nome da autora aqui, quero conhecer mais sobre ela.
ResponderExcluirBeijo
Não sei se é o sono ou eu que sou lerda, mas não entendi muito bem o texto... parece ser profundo e poético, mas não compreendi a mensagem por trás dele. Poderia me explicar melhor?
ResponderExcluirOlá, tudo bem? Texto lindíssimo! Gosto das metáforas e dualidades encontradas nas nuances. Não conhecia textos assim, mas adorei! E irei pesquisar mais sobre quem escreveu <3
ResponderExcluirBeijos,
http://diariasleituras.blogspot.com.br
Olá, adorei o texto, ele esta muito bem escrito deixando aberto a diversas interpretações *-* Vou procurar outros textos da autora para ler depois *-*
ResponderExcluirOlá!
ResponderExcluirAdorei o texto. Por segundos consegui vislumbrar aquele olhar profundo que dizia cada palavra dele. Tocante!
Bjim!
Tammy