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Resenha – O que é Lugar de Fala?, de Djamila Ribeiro





“Por que eu escrevo?
Por que tenho que
Porque minha voz
em todas suas dialéticas
foi silenciada por muito tempo.”
(Jacob Sam-La Rose)

O que é Lugar de Fala?, de Djamila Ribeiro, 108 páginas, Editora Letramento, é um livro didático, necessário e acessível. O lugar de fala está intrinsecamente ligado à identidade de um grupo, como esse grupo é visto e pensado socialmente e como ele pode sofrer limitações em detrimento dos privilégios de outros grupos. Pensando nesse lugar, é interessante observar a História do Brasil e como ela é contada do ponto de vista do colonizador, uma visão eurocêntrica, judaico-cristã, heteronormativa, machista e que ainda nos mantêm no lugar de colonizados. É nesse contexto que a autora reflete sobre o lugar de fala do negro, indígena, nordestinos, latinos. Da mulher negra, latina, indígena, quilombola, nordestina, imigrante...

(...) Então aquele homenzinho vestido de preto diz que as mulheres não podem ter tantos direitos quanto os homens porque Cristo não era mulher! Mas de onde é que vem seu Cristo? De onde foi que Cristo veio? De Deus e de uma mulher! O homem não tem nada a ver com Ele.
Se a primeira mulher que Deus criou foi suficientemente forte para, sozinha, virar o mundo de cabeça para baixo, então todas as mulheres, juntas, conseguirão mudar a situação e pôr novamente o mundo de cabeça para cima! E agora elas estão pedindo para fazer isto. É melhor que os homens não se matam.
Obrigada por me ouvir e agora a velha Sojourner não tem muito o que dizer.(Sojouner nasceu num cativeiro e, em 1843, tornou-se abolicionista afro-americana, escritora e ativista dos direitos da mulher.)


Djamila começa o livro trazendo uma contextualização de mulheres negras que foram historicamente silenciadas, a exemplo de Sojouner. Existe para além do racismo, uma opressão de caráter racial e que fortalece um feminismo hegemônico.

Leila Gonzalez, também refletiu sobre a ausência de mulheres negras e indígenas no feminismo hegemônico e criticou essa insistência das intelectuais e ativistas em somente reproduzirem um feminismo europeu, sem dar a devida importância sobre a realidade dessas mulheres em países colonizados.

Há uma excelente relação entre o preconceito linguístico, racismo e as questões de classe. A importância de reconhecer o legado linguístico de povos escravizados e como isso transcende a gramática normativa. A valorização de uma única forma de falar e escrever como certa, fortalece a manutenção do poder em que determinados grupos são marginalizados.

(...) é fundamental para muitas feministas negras e latinas a reflexão de como a linguagem dominante pode ser utilizada como forma de manutenção de poder, uma vez que exclui indivíduos que foram apartados das oportunidades de um sistema educacional justo.

Para além das oportunidades de um sistema educacional justo, há um visível silenciamento cultural, baseado no etnocentrismo que deixa o 'colonizado' em posição de inferior que ‘suja’, ‘corrompe’ a língua, o ‘verdadeiro português’. Entretanto, esse ‘português verdadeiro’ tem sua origem no Latim Vulgar. O conservadorismo no entorno de uso da língua no Brasil, marginaliza que essa mesma língua muda e que no processo de colonização foram incorporados novos sons, entonações, vocábulos que cria uma nova língua. É um ciclo tendencioso que mais uma vez silencia e infantiliza latinxs, negrxs e indígenxs, já que a única língua aceitável é a eurocêntrica.

Alcoff reflete sobre a necessidade de se pensar outros saberes. Pensando num contexto brasileiro, o saber das mulheres de terreiro, das Ialorixás e Babalorixás, das mulheres do movimento por luta de creches, lideranças comunitárias, irmandades negras, movimentos sociais, outra cosmogonia a partir de referências provenientes de religiões de matriz africana, outras geografias de razões e saberes.

O que é Lugar de Fala? pertence a coleção Feminismos Plurais para confrontar um pseudodebate que se estrutura na deturpação da história, raça e de classe, representatividade e feminismo. Que se estrutura em equívocos conceituais sobre o lugar de fala de cada grupo. Que lugar de fala é esse? Quando não se é pensado nesse lugar de fala, quem se beneficia? Quem perde? Para responder a essas perguntas, Djamila traz à luz do debate mulheres negras, latinas pensadoras, pesquisadoras, estudiosas, inclusive nomes como o de Gayatri Spivak, filosofa indiana. Rompendo com uma ótica estreita e simplista que ainda sustenta a deslegitimação de múltiplas vozes.

Também podemos citar essa realidade no contexto brasileiro, o alto índice de feminicídio de mulheres negras, a constatação de que mulheres negras ainda são maioria no trabalho doméstico e terceirizado e tantos outros exemplo.

Cada página do livro proporciona aos leitores um universo amplo de desconstrução, pesquisa, novos conhecimentos, de repensar lugares de privilégios. A mudanças implicam em fugir do discurso óbvio e sensacionalista para que de fato possamos falar de democracia, liberdade, feminismo, raça, ética, cidadania... e que essa fala possa, enfim, ecoar as múltiplas vozes. Que essa fala, de fato, se materialize num debate honesto e com equidade.


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14 comentários:

  1. Oi Lilian, no momento, não é o tipo de leitura que me atrai, por ser didático, se aplica mais para quem faz pesquisas sobre o tema. E qualquer leitura que não seja uma narrativa, não prende minha atenção. Mas vou deixar anotado, para pesquisas futuras.
    Bjos
    Vivi
    http://duaslivreiras.blogspot.com.br/

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  2. Hey, Lilian!

    Que excelente resenha!
    Eu adoro livros com essa temática e sua resenha me deixou com muita vontade de ler.
    Com certeza, surgindo a oportunidade, eu farei isso!

    Beijos!

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  3. Olá!! :)

    Eu confesso que não conhecia este livro, mas ainda bem que gostaste de fazer a leitura, fiquei bem curioso...

    Enfim, que bom que a questão de classe também e bem explorada!

    Boas leituras!! ;)
    no-conforto-dos-livros.webnode.com

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  4. Olá, tudo bem? Nossa, parece ser um livro extraordinário. É de uma temática importante, e bacana de ser lida, por isso anotei a dica! Não conhecia a coleção, mas procurarei mais informações sobre pois gostei bastante!
    Beijos,
    http://diariasleituras.blogspot.com.br

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  5. Olá!
    Não conhecia a obra, e não faz muito meu tipo de leitura, então não sei se eu leria a obra.
    Mas achei interessante os temas tratados, acho uma leitura muito válida para quem gosta mais desse tipo de obra.
    beijo
    www.apenasumvicio.com

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  6. Um livro rico em informações, esclarecimentos e com toda certa reflexões. Nunca li nada que falace de preconceito linguístico e confesso que conheço o assunto bem por cima e nem imagina que abrangia também um preconceito racial. Livro anotado.

    Abraços.
    https://cabinedeleitura0.blogspot.com.br/

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  7. Olá!
    Não tenho o costume de ler livro didático, mas abriria uma excessão para esse. A temática do livro é muito interessante, tenho estudado um pouco do mesmo para debates em sala de aula. Espero ter a oportunidade de lê-lo. Parabéns pela resenha.

    Abraço.

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  8. Olá!
    Já tinha visto uma resenha sobre esse livro e achei os temas abordados bem interessantes. Mesmo que eu não seja o tipo de leitora do gênero, acho legal ressaltar sobre a importância de chamar atenção pro preconceito, pra mulher, pra história da humanidade de forma tão autêntica e cuidadosa.
    É uma ótima obra pra ser usada em grupos de leituras e até pra galera do ensino médio, nos preparatórios pra universidades.
    Beijos!

    Camila de Moraes

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  9. Olá, tudo bem?

    Eu não conhecia o livro e a autora, gostei da sua resenha, ficou muito boa por sinal. Achei interessante os temas abordados, principalmente sobre o preconceito, deve ser uma boa leitura!
    Abraço!

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  10. Desde que eu soube do lançamento desse livro me interessei por ele. Acho que é uma leitura obrigatória e quero comprar um exemplar ainda esse ano. Adorei a sua resenha!

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  11. Olá, parece-me uma obra muito boa, me interesso muito por essa temática do feminismo e do que é lugar de fala. Excelente resenha.

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  12. Uau! Que interessante.
    Desde a proposta de trazer novas visões de conceito até os questionamentos, que com toda certeza devem ser abordados para todos.

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  13. Oieee
    que post maravilhoso pois ainda não conhecia a obra e muito menos a existência dessa coleção maravilhosa que ja quero todos, adorei saber um pouco melhor sobre e vai pra já para minha lista de desejados

    beijos
    http://www.prismaliterario.com.br/

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  14. Sempre que vejo essa frase ''lugar de fala'' lembro das mulheres negras e das mulheres gordas, que sempre perdem seu lugar de falar pra outra mulher que já tem maior espaço e visibilidade porém quer tomar o sofrimento do outro sem realmente senti-lo.

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O Poesia na Alma pertence ao universo da literatura livre, como um bicho solto, sem dono e nem freios. Escandalosamente poéticos, a literatura é o ar que enche nossos pulmões, cumprindo mais que uma função social e de empoderamento; fazendo rebuliço celular e sexo com a linguagem.

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