Marina Colasanti - 2018 Degenerado
Michael Parkes – After the Storm
Castor e Pólux, sequer pressentidos
Que cisne era aquele que no meio da noite,
sem quê nem porquê, irrompia assim pela sua janela adentro, em estardalhaço de
asas e penas?
Aterrissando sobre o tapete, perdida a
elegância com que deslizaria sobre a água, avançada com as patas espalmadas,
ondeando o corpo de um lado para o outro, enquanto o longo pescoço chicoteava o
ar para garantir algum equilíbrio ao precário avanço.
O pescoço, esse sim, seduzia. Longo,
flexível, voluptuosamente sinuoso, de um branco tão igual e brilhante, mais
parecia um jorro de leite desenhando arabescos na escuridão. E já pulava o
cisne sobre a cama, as asas abertas roçando o corpo da mulher, o pescoço, macio
envolvendo-lhe os ombros, deslizando pela nuca, o bico atrevido procurando seu
ponto mais sensível atrás da orelha.
Ao alvorecer partiu o cisne, deixando a
mulher em doce lassidão. Transformada, porém em desagrado crescente, à medida
que a luz da manhã, fazendo-se mais clara, evidenciava a cama revirada, as
marcas enlameadas nos lençóis, as plumas espalhadas entre as dobras dos panos,
e mais forte se fazia, no calor do dia, o cheiro do ninho.
Não, se ele voltasse, não o receberia;
decretou a mulher lamentando sua condescendência na noite anterior.
Mas o cisne não veio naquela noite, nem na
seguinte, nem na outra ainda. E ela estava quase começando a crer que tudo não
passava de uma alucinação, quando percebeu que o visitante deixara outras
marcas. Alargava-se-lhe a cintura, cediam as cadeiras, e um peso lhe alertava o
ventre.
Chegando enfim o dia aprazado, deitou-se. Abriu
as pernas. Mordeu um travesseiro, agarrou-se à cabeceira da cama. Expulsou. Mas
nenhum choro coroou seu esforço. No vértice de suas coxas não havia vestígio de
sangue. Nenhuma criança. Somente, cândido e enigmático, jazia um enorme ovo.
Duas vezes a enganara o palmídepe. Nem mais
viera vê-la. Nem lhe fizera um filho de verdade. Tomada de ódio e repugnância
chamou os criados, mandou que levassem aquele ovo espúrio. E longe dos seus
olhos o destruíssem, jogando no lixo seus resíduos.
(COLASANTI,
Marina. Contos de amor rasgados. Rio de Janeiro: Rocco, 1986.)
Texto selecionado para o projeto
(#Querolivrosescritospormulheres)
e o projeto 2018 Degenerado.
Marina Colasanti é uma escritora incrível! Adoro os contos dela. Não conhecia esse, mas já adorei. =)
ResponderExcluirEsse conto da Colasanti é muito bonito e profundo, fiquei encantada em reler. Ela se baseia no mito para fazer uma crítica sobre os enganos do amor. É lindo. ♡
ResponderExcluirOlá adorei o conto.
ResponderExcluirÉ adorável
Adoro a escrita da Marina Calasanti.
Beijos
O jeito simples e carregado de analogias é arrebatador. Lembra muito a mitologia grega, não apenas pelo jeito de escrever, mas também por contar a história de amor entre um animal misterioso e mágico. O ovo parece representar o sentimento renegado pela protagonista, que apesar de não aceitar, nutre uma saudade do seu amado. Ao destruir o ovo ela escolhe não se render a esse sofrimento. Muito bom. Quero ler Marina Colasanti em breve.
ResponderExcluirDisse tudo 😊😊😊
ExcluirEu adoro esse conto, um professor meu usou-o como base para desvendar os mitos do amor, é muito incrível a maneira que autora escreve tudo tao detalhadamente e com uma sensibilidade além do comum, adorei reencontrar esse texto aqui.
ResponderExcluirEsse conto gera ótimos debates 😊😊😊 o livro todo tem uma força tão grande de idéias que ainda não consegui resenhar
ExcluirOlá!
ResponderExcluirTem anos que não lia nada da Marina, me senti nostálgica agora.
Que texto maravilhoso e que fotos lindas.
Parabéns Lilian!
Beijos!
Camila de Moraes
Nossa... Tive que ler duas vezes, porque eu achei que estava lendo errado.
ResponderExcluirAdorei o conto. Estou em choque até agora - de a mulher te tido um ovo de cisne como filho. Nunca tinha pensado em algo do gênero - e vou precisar pensar um pouco mais para entender o que ela quis dizer...
No mais, o conto está muito bem escrito. Gostei da fluidez da narrativa, com as palavras tão bem escolhidas.
Não conhecia a autora. Ótima escolha de leitura!
Beijos,
www.degradeinvisivel.com.br
Seu comentário ficou divertido e sendo franca, inteligente. É justamente isso que a Marina faz, nos força a pensar no tempo de maturação de idéias, como uma gestação inédita de um ovo por um ser humano. Obrigada por comentar aqui 😊😊😊😊
ExcluirEu li o livro todo , mas ainda estou intimidada em fazer a resenha, como você, preciso de um tempo para pensar.
Oi, tudo bem? Não me interessei ainda pela literatura da Marina. Não gostei do conto, me causou muito estranhamento e repulsa, mas achei que há muita liberdade escrita nele, então parabéns à autora. Gostei muito da imagem selecionada :)
ResponderExcluirLove, Nina.
www.ninaeuma.blogspot.com
Quanta simbologia na junção de de termos: liberdade e repulsa...
ExcluirQue choque esse conto, não?
ResponderExcluirNa hora que li, achei que era uma piada, mas depois parei pra pensar... É muito forte, e muito simbólico também né?
Uma coisa pra nos fazer pensar... Adorei demais!
Bjs, Abby
Blog Linhas Tortas
Não tinha lido nada da Marina ainda, e confesso que fiquei com um ponto de interrogação durante a leitura. Mas valeu por me fazer pensar.
ResponderExcluirBjs Rose
Oii!
ResponderExcluirLi Marina quando era muito nova e fui na biblioteca da escola, depois o Governo deu alguns livros e entre eles, um da autora. Esse texto eu não conhecia, mas gostei. Gosto da escrita dela!
Beijinhos,
Olá, já tinha ouvido falar da autora mas talvez esse tenha sido o meu primeiro contato com a escrita dela. Gostei da trama do conto.
ResponderExcluirQue profundo. É muito forte..
ResponderExcluirAdorei
Olá!
ResponderExcluirAté hoje não havia lido nada dessa autora e achei esse conto muito interessante, pois nos faz pensar. Eu refleti sobre esse ovo posto por uma humana como algo ligado ao nosso amadurecimento e passos difíceis que precisamos dar em nossa vida. Acho que é um conto maravilhoso, obrigada por compartilhar conosco.
Beijos
Amei não conhecia,nos faz refletir muito!!
ResponderExcluirOLá
ResponderExcluirmuito interessante a escrita do conto. Não conhecia autora mas é sempre bom conhecer novos talentos do nosso país, excelente
beijos
http://www.prismaliterario.com.br/