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Resenha - Sentimento do Mundo





Carlos Drummond de Andrade gostava de dar voz ao silêncio.  Com um sopro suave, mover até as mais impossíveis muralhas. Quando publicou Sentimento do Mundo, com vinte e oito poemas, em 1940, o mundo sentia o amargor de uma fase sombria. Recém-saídos da Primeira Guerra Mundial, o momento prometia campos de concentração e dias devastadores. Na época, havia a bomba de Hiroshima no meio do caminho.


MÃOS DADAS

Não serei o poeta de um mundo caduco.
Também não cantarei o mundo futuro.
Estou preso à vida e olho meus companheiros.
Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças.
Entre eles, considero a enorme realidade.
O presente é tão grande, não nos afastemos.
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.

Não serei o cantor de uma mulher, de uma história,
Não direi os suspiros ao anoitecer, a paisagem vista da janela,
Não distribuirei entorpecentes ou cartas suicidas,
Não fugirei para as ilhas nem serei raptado por serafins.
O tempo é minha matéria, o tempo presente, os homens presentes,

a vida presente.


Há dois mundos que habita a obra, interior e o exterior, e os dois estão em desordem, porém, unidos pela poesia. Sentimentos ubíquos tais como amor, nostalgia, medo, indignação, ganham vida na linguagem comum do Modernismo.


CONGRESSO INTERNACIONAL DO MEDO

Provisoriamente não cantaremos o amor,
Que se refugiou mais abaixo dos subterrâneos.
Cantaremos o medo, que esteriliza os abraços,
(...)
cantaremos o medo dos ditadores, o medo dos democratas,
cantaremos o medo da morte e o medo depois da morte,
depois morreremos de medo,
e sobre nossos túmulos nascerão flores amarelas e medrosas.


Apesar de o medo ser um sentimento tão comum entre os viventes, ainda causa espanto quando pronunciado. O medo é também um indício de não adaptação e aproximação da morte, isso gera inquietação diante do destino do mundo; estranhamento frente as imposições políticas da época, não há piedade no mundo exterior. “O mundo é mesmo de cimento armado.”. Em contrapartida, também há esperança, pois é isso a inquietação, essa vontade desregrada de extrapolar os muros do silencio e mostrar que algo está errado.

O mundo interior também rui, também pede socorro. Ora pela nostalgia, em Lembranças do mundo antigo, “Havia jardins, havia manhãs naquele tempo!!!”. Ora pela solidão “(Na solidão de indivíduo/ desaprendi a linguagem/ com que os homens se comunicam)”. Ou pelas necessidades impostas que destroem a inocência e massacram almas, tornando as lentes do poeta pessimista, ácida “é preciso crer em Deus/ é preciso pagar as dívidas/ é preciso comprar um rádio (...)”.


MUNDO GRANDE

Não, meu coração não é maior que o mundo
É muito menor.
Nele não cabem nem as minhas dores.
Por isso gosto tanto de me contar.
Por isso me dispo,
Por isso me grito,
Por isso frequento os jornais, me exponho cruelmente nas livrarias:
Preciso de todos.
(...)


O coração que explode frente a grandiosidade da vida e a destruição do homem. Os dias que correm sem Cronos e angustiam a cerne. A profundeza do eu. Do eu no mundo. Do eu no eu. O labirinto da exposição e suas nuances, talvez volte, talvez, seja devorado. O mundo, a política e os ditadores que invadem o eu e que, por sua vez, o eu e o nós se encontram em estado de invasão.



A minha edição de Sentimento do Mundo, data de 2004, pelo Grupo Editorial Record. Troca no Sebo. Talvez, tenha parado em minhas mãos pela sincronia dos caducos tempos sombrios. O peso do ódio e do retrocesso que afunda os nossos ombros. A única coisa acordada, é a máquina de fazer guerra, o homem dorme, a alma dorme, o espirito emburreceu. Ainda respiramos pela poesia.

Por Lilian Farias

18 comentários:

  1. Olá, Lilian! Tudo bem?
    Eu já li um pouco de Carlos Drummond de Andrade e eu não conhecia essa edição da Record, por sinal parece ser muito boa. Achei interessante o autor abordar em seus poemas aspectos como o medo, a morte, a solidão, a vida e a destruição do homem. Adorei!
    Bjs

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  2. Olá! Drummond é um dos meu poetas favoritos.
    Nesses poemas ele faz o que constamento nós fazemos sentimos mágoas e saudades do passado e querermos um futuro que tememos. E tentamos viver um presente sem poder abster do passado e nem do futuro. Somos assim sempre em qualquer tipo de relacionamento social, afeito e etc. Somos nós com todos os sentimentos do mundo!
    Amei.
    Bjs

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    Respostas
    1. Agradeço por ler a resenha e interagir de forma poética. ♥♥♥♥

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  3. Olá, tudo bem? Não conhecia esse livro, mas os poemas que você colocou no post são muito bons, apesar de tristes... Adorei a postagem!

    Beijos,
    Duas Livreiras

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  4. Olá Lilian, tudo bem?
    Nossa Drummond é Drummond né?
    A forma como ele aborda temas tão intensos como medo, solidão, morte, entre outros de forma tão poetica e intensa é inspiradora. Não conhecia essa edição, espero ter a oportunidade de adquiri-la, me parece uma obra fascinante. Beijos

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  5. Oiee, tudo bem?

    Essa edição está maravilhosa, Carlos Drummond de Andrade é espetacular, comecei a ler seus poemas meio que por obrigação na época da escola, mas hoje em dia que vejo realmente a grandiosidade de suas palavras. A forma como ele aborta temas tão complicados como medo, morte, solidão é encantadora... Um dos meus poetas favoritos ♥

    beijos.

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  6. Conheço pouco de Drummond, na verdade mais o que a escola colocou nas aulas mesmo. Mas tenho vontade de pegar para ler e ver como a minha percepção mudou desde os tempos de escola.
    Beijos
    Mari
    Pequenos Retalhos

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  7. Nossa, Lilian! Que resenha mais profunda!
    Eu ainda não conhecia esse livro e fiquei com muita vontade de tê-lo. Eu amo poesias e adorei essa indicação.

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  8. Não faz isso comigo não menina, eu sou apaixonada por esse autor, tenho alguns de seus livros que li a anos atrás e a sinceridade a pessoa emburreceu com anos, a vontade de viver não é mais tão escancarada e adorava, as pessoas apenas sobrevivem. Mas, aqueles que conhecem e leem nossa rica poesia, esse vive e tem muito a ensinar e se encantar.
    Beijinhos

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  9. Olá,
    Já li algumas obras do Carlos quando fui prestar vestibular a anos atrás e tenho que dizer que gostei bastante.
    Não conhecia esse título, mas achei os trechos selecionados para nos mostrar muito interessantes e que nos fazem refletir sobre muitas coisas. Simplesmente amei o último parágrafo da resenha!

    LEITURA DESCONTROLADA

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  10. Oi! Conheci esse livro ainda na escola, para um trabalho de Língua portuguesa e literatura, e conheço alguns poemas do autor, mas ultimamente parei de fazer a leitura refletir como suas palavras são profundas. Essa edição está linda e pretendo investir em comprar mais obras do gênero poético, principalmente da literatura nacional.

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  11. Olá!

    Não sei se suspiro mais com as palavras do autor ou com as suas, cada poema mais lindo que o outro, admiro quem sabe fazer, queria eu ter um décimo de talento para tal...

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  12. Oiii!

    Eu li pouquíssimo do autor mas é incontestavel a maravilha que era sua escrita! Sua resenha não fica atras! Adorei a delicadeza das palavras.

    Parabéns!

    Beijinhos

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  13. Eu gosto de Drummond, um dos poucos poetas que eu posso dizer que eu realmente li. Foi na escola? Foi. Mas eu gostava das coisas que ele escrevia. Acho que se eu for me arriscar em novas leituras, ele seria uma boa.

    http://laoliphant.com.br/

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  14. Olá! Me apaixono por tudo que leio desse homem. Creio que a arte de fazer poemas não se aprende, nasce-se com o dom e com a necessidade de expressar os sentimentos floreando-os. Gostei muito de me deparar com textos deles, comecei meu dia bem.
    Bjs

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  15. Os poemas são carregados de sentimentos e dá para perceber o porque de Drummond ser um dos mais aclamados. Infelizmente não sou fã de poesia, mas gostei da indicação.

    Beijos, Gabi
    Reino da Loucura | Facebook | Instagram

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  16. Eu vejo seus posts e percebo o quão pouco eu li e conheço da literatura brasileira, apesar de ter estudado na escola. Li bem pouco mesmo de Drummond, especialmente por ser poesia (não tenho sensibilidade pra isso kkk), mas sua interpretação me deixa com vontade de explorar mais.

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O Poesia na Alma pertence ao universo da literatura livre, como um bicho solto, sem dono e nem freios. Escandalosamente poéticos, a literatura é o ar que enche nossos pulmões, cumprindo mais que uma função social e de empoderamento; fazendo rebuliço celular e sexo com a linguagem.

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