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Resenha - Fabián e o Caos




Fabián e o Caos, Editora Alfaguara, 195 páginas, foi meu primeiro contato com o cubano, Pedro Juan Gutiérrez. Já não guardo segredo que nos últimos tempos tenho alimentado uma verdadeira inclinação pela produção literária de Cuba.

– O comunismo está em toda parte, amigo. Até nos Estados Unidos. Onde você vive? Na Lua? Esse pessoal é comunista, e vão prosseguir porque são muito jovens. Isso é só o início, e têm a plebe a seu favor. Quer um conselho? Faça como nós. Pegue sua família e vá embora daqui. Mas tem que ser depressa. É uma questão de semanas. Não espere. Salve o que conseguir, vá embora e não olhe para trás.

Como bem mencionado, ‘são muito jovens’, além da luta por liberdade e ruptura com o imperialismo Norte Americano, movidos pelo entusiasmo, as facetas da Revolução Cubana também se materializam em caos e autoritarismo. Bem verdade que não existe revolução sem caos, desordem e desequilíbrio. É exatamente o que Gutiérrez desnuda, a sombra da revolução. Esta não é uma história sobre heróis.

Comecei a construir um mundo pessoal, afastado da grande corrente caótica em que o país se transformava: colecionava selos, lia muito, tentava ter alguma namorada, arranjei um violão velho, compunha boleros e me esforçava para tocar e cantar. E me masturbava cinco ou seis vezes por dia.

No meio da revolução, pessoas comuns com seus dramas pessoais, Pedro Juan e Fábian, dois jovens opostos e unidos pelo destino. Duas aberrações para o governo “vagabundos, bichas ou religiosos”. Fábian é homossexual e sonha em fazer algo maior que ele mesmo, uma Sinfonia. Seu grande sonho de pianista brilhante é interrompido quando é punido pelo governo por ser homossexual.   

Nos últimos dois anos, Fabián ia ao cinema duas ou três vezes por semana. Perto de sua casa havia um cinema no bairro. Pouco adiante, havia outro. E, no centro da cidade, três ou quatro cinemas mais. Ele ia ver filmes, claro, mas sempre se sentava ao lado dele um cara desses que mostram o pau ereto e se masturbam. Pegavam sua mão e a dirigiam para que ele terminasse o serviço.

A linguagem utilizada pelo autor para descrever Fabián não dá brecha para romantismo, heroísmo ou similares. Ele é seco, direto, pungente. Subversivo e transgressor, o ritmo do texto gera imprevisibilidade. 

Fabián adorava aqueles beijos na boca. Aqueles homens quase sempre tinham gosto de tabaco na língua. Ele se excitava muito com a respiração forte. Tocava em suas mãos e seus braços. Eram puro músculo. Alguns queriam avançar mais e apalpar suas nádegas.”

Pedro Juan não tem as mesmas vivências que Fabián. Ele é o vagabundo. O que não quer se apegar as obrigatoriedades dos vínculos trabalhistas, amorosos e, principalmente, da igreja. Apenas queria viver, boêmio, conforme os desejos dos próprios instintos. Com muito sexo. 

Meus inimigos eram a família, o governo, a religião. Nessa ordem. Mas na vida real era impossível me livrar da família e muito difícil, quase impossível, escapar das medidas de ordem e de controle do governo que se autodenominava ditadura do proletariado. Mas me livrar da religião era mais fácil. Em última estância, esses três poderes tinham propostas repressivas que fodiam minha vida. Não roubarás, não mentirás, não fornicarás, não, não, não. Eu queria roubar, mentir, fornicar com mulheres e com tudo o mais que me agradasse.”

Pedro Juan é rebelde, avesso àquilo que reprime seus instintos primitivos e sujos. Porém, era hétero e isso lhe dava mais segurança. Já Fabián era um pianista gay de dedos pequenos. Louco. Caótico. E por mais que se esforçasse, Fabián atraia a rejeição, a princípio, do pai. Depois, do governo. A celeridade da linguagem, o tom amargo e depressivo mostra como Fabián definha. Como se fosse ficando imobilizado, sem ar, metaforicamente de dedos quebrados.

A fome e a miséria, produto do embargo Norte americano, a casa decrépita, o sonho interrompido, os pais senis e detestáveis, a certeza de uma vida medíocre e da violência já faziam parte do caos a que Fabián tinha se adaptado. Mas um novo caos, um novo furacão em sua vida é a chegada do trágico, do isolamento, da tristeza. E por meio desses elementos – tragédia, isolamento, tristeza, pessimismo – que se constrói a relação entre os discrepantes e necessários Fabián e Pedro Juan.




Pedro Juan Gutiérrez esclarece que esse é um romance autobiográfico e que Pedro Juan é seu alter ego e Fábio um amigo íntimo, da adolescência, que detestava os pais e tinha obsessão pela música, o piano. O autor não poupa esforços em fazer com que a leitura seja um processo de imersão no que seria a caixa de pandora dos primeiros anos da revolução. 

14 comentários:

  1. Oi Lilian, não conhecia o livro, e pelo que sua resenha conta dele bate em cheio com a sua frase de que isso não é um livro sobre heróis. Pode até não ser sobre heróis que estamos acostumados a ver nos cinemas, mas com certeza são heróis de carne e osso, o que dá um sentindo inda maior a esta palavra.
    Bjs, Rose

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  2. Olá, tudo bem? Ah que bom que seu interesse por histórias cubanas estão aumentando. É bom quando encontramos um nicho diferente e nos apaixonamos não é? Não conhecia o autor, mas vejo que é uma história que leria porque o tempo transpassado, a revolução, é um dos meus favoritos. Ser autobiográfico é bem legal ainda mais com um alter ego. Gostei!
    Beijos,
    http://diariasleituras.blogspot.com.br/

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  3. Caramba! O livro é forte!
    É uma vivência nua e crua e deve ter muito o que comparar com a nossa sociedade hipócrita de sempre.
    Vou anotar!

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  4. Olá, Lilian! Tudo bem?

    Amiga você sempre arrasa, seja nos poemas & poesias, bem como nas indicações de livros. Fabian e O Caos parece ser uma leitura forte e reflexiva. Acho interessante a premissa, além de tratar da violência é claro, fala ainda sobre os heróis do dia a dia, de carne e osso. Ótima resenha!
    Bjus

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  5. Olá, eu não conhecia o autor e ainda não tive chance de ler nenhum livro de um autor cubano =/ Mas espero logo muda isso, pelos seus comentários esse livro parece estar bem bacana *-*

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  6. Olá, ainda não conhecia esse livro nem o autor, mas após sua resenha e após conhecer um pouco mais sobre as história de Fabian e Pedro Juan, vou anotar o nome da obra para, quem sabe, ler futuramente.

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  7. Não conhecia o livro nem seu autor e lendo sua resenha, percebi que provavelmente nunca li nada da literatura cubana, que não tenho dúvidas é extremamente rica. Preciso tentar mudar isso.
    Beijos
    Mari
    Pequenos Retalhos

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  8. Oi
    Eu adorei a premissa. Gostei principalmente por ter a Cuba como cenário. Com certeza um livro que eu leria!
    Bjus

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  9. Muito interessante a premissa, e a forma como apresentou o livro, mas não é um gÊnero que me atraia no momento, mas obrigada pela dica.

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  10. Olá! Ainda não conhecia esse livro. Parece ser uma leitura forte e rica em detalhes.
    Vou anotar a indicação e espero assim que possível conhecer também a obra.
    Ótima resenha e imagens, bjoooooo

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  11. O que mais gosto nesse blog até agora é sempre ler resenhas de livros que nunca vi na vida... Sempre leituras diferenciadas... Essa por exemplo, é forte, marcante e sem pudor, lembrei de um livro de contos que li recentemente: Manual da Faxineira de Lucia Berlin. Fabian e o caos eu não lerei, mas fiquei curiosa em procurar outros autores cubanos. Obrigada pela dica.

    www.viagensdepapel.com

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    Respostas
    1. Totalmente sem pudor. Também vou ler Manual da Faxineira ^^

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  12. Olá adorei sua resenha, o livro parece ter uma propostas diferente e forte de ser lida, beijos!

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  13. Oi, tudo bem?
    Não conhecia este livro, parece ser um livro muito interessante ao nos mostrar duas realidades diferentes.
    Gostei muito da sua resenha!
    Beijos, Larissa (laoliphant.com.br)

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O Poesia na Alma pertence ao universo da literatura livre, como um bicho solto, sem dono e nem freios. Escandalosamente poéticos, a literatura é o ar que enche nossos pulmões, cumprindo mais que uma função social e de empoderamento; fazendo rebuliço celular e sexo com a linguagem.

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