O elástico Murilo Mendes – dez poemas para não perder de vista
Murilo Monteiro Mendes (1901-1975), poeta
brasileiro, um dos arautos da Geração de 1930 ou Segunda fase do Modernismo,
era místico, inquieto, ousado, enigmático, social, surrealista, transitório,
simbólico. Durante a passagem do cometa Halley, com nove anos, o poeta vive sua
‘epifania meteórica’: “O cometa me traz o
anúncio de outros mundos/ e de noite eu não durmo/ atrapalhado com o mistério das
coisas visíveis”.
Em 1930, publica "Poemas", seu
primeiro livro. E continuou escrevendo e publicando frenético e estimulando com
sua ‘Poesia-liberdade’ outros autores, como João Cabral de Melo Neto, que
declara: “a poesia de Murilo me foi
sempre mestra, pela plasticidade e novidade da imagem. Sobretudo foi ela quem
me ensinou a dar precedência à imagem sobre a mensagem, ao plástico sobre o
discursivo”. Ele, que se eterniza em sua obra, é múltiplo. Rebelde. Logo,
não é possível somente com os dez poemas selecionados compreender a
elasticidade de sua poesia, mas, em prece, o evocamos para nos ajudar em tempos
sombrios.
“É necessário morrer de tristeza e de nojo
Por viver num mundo aparentemente abandonado por Deus,
E ressuscitar pela força da prece, da poesia e do amor.”
ANGÚSTIA
E REAÇÃO
Há noites intransponíveis,
Há dias em que para nosso movimento em
Deus,
Há tardes em que qualquer vagabunda
Parece mais alta do que a própria musa.
Há instantes em que um avião
Nos parece mais belo que um mistério de
fé,
Em que uma teoria política
Tem mais realidade que o Evangelho.
Em que Jesus foge de nós, foi para o
Egito;
O tempo sobrepõe-se à ideia do eterno.
É necessário morrer de tristeza e de nojo
Por viver num mundo aparentemente
abandonado por Deus,
E ressuscitar pela força da prece, da
poesia e do amor.
É necessário multiplicar-se em dez, em
cinco mil.
É necessário chicotear os que profanam as
igrejas
É necessário caminhar sobre as ondas.
by imagem Такие же красивые, как и ты
“Não se trata de ser ou não ser,
Trata-se de ser e não ser.”
PÓS-POEMA
O
anteontem - não do tempo mas de mim -
Sorri
sem jeito
E
fica nos arredores do que vai acontecer
Como
menino que pela primeira vez põe calça comprida.
Não
se trata de ilusão, queixa ou lamento,
Trata-se
de substituir o lado pelo centro.
O
que é da pedra também pode ser do ar.
O
que é da caveira pertence ao corpo:
Não
se trata de ser ou não ser,
Trata-se
de ser e não ser.
By imagem - SeSe22122532
“Ó alma que não conhece todas as suas possibilidades,
o mundo ainda é pequeno pra te encher.
Abala as colunas da realidade,
desperta os ritmos que estão dormindo.”
O HOMEM, A LUTA E A
ETERNIDADE
Adivinho
nos planos da consciência
dois
arcanjos lutando com esferas e pensamentos
mundo
de planetas em fogo
vertigem
desequilíbrio
de forças,
matéria
em convulsão ardendo pra se definir.
Ó
alma que não conhece todas as suas possibilidades,
o
mundo ainda é pequeno pra te encher.
Abala
as colunas da realidade,
desperta
os ritmos que estão dormindo.
À
guerra! Olha os arcanjos se esfacelando!
Um
dia a morte devolverá meu corpo,
minha
cabeça devolverá meus pensamentos ruins
meus
olhos verão a luz da perfeição
e
não haverá mais tempo.
“A gente não pode dormir
com os oradores e os pernilongos.”
CANÇÃO DO EXÍLIO
Minha
terra tem macieiras da Califórnia
onde
cantam gaturamos de Veneza.
Os
poetas da minha terra
são
pretos que vivem em torres de ametista,
os
sargentos do exército são monistas, cubistas,
os
filósofos são polacos vendendo a prestações.
A
gente não pode dormir
com
os oradores e os pernilongos.
Os
sururus em família têm por testemunha a Gioconda.
Eu
morro sufocado
em
terra estrangeira.
Nossas
flores são mais bonitas
nossas
frutas mais gostosas
mas
custam cem mil réis a dúzia.
Ai
quem me dera chupar uma carambola de verdade
e
ouvir um sabiá com certidão de idade!
“Ainda não estamos habituados com o mundo
Nascer é muito comprido.”
REFLEXÃO N°.1
Ninguém
sonha duas vezes o mesmo sonho
Ninguém
se banha duas vezes no mesmo rio
Nem
ama duas vezes a mesma mulher.
Deus
de onde tudo deriva
E
a circulação e o movimento infinito.
Ainda
não estamos habituados com o mundo
Nascer
é muito comprido.
“Que há limites para a poesia
Que não há sorrisos nas crianças”
O UTOPISTA
Ele
acredita que o chão é duro
Que
todos os homens estão presos
Que
há limites para a poesia
Que
não há sorrisos nas crianças
Nem
amor nas mulheres
Que
só de pão vive o homem
Que
não há um outro mundo.
“não posso amar ninguém porque sou o amor”
CANTIGA DE MALAZARTE
Eu
sou o olhar que penetra nas camadas do mundo,
ando
debaixo da pele e sacudo os sonhos.
Não
desprezo nada que tenha visto,
todas
as coisas se gravam pra sempre na minha cachola.
Toco
nas flores, nas almas, nos sons, nos movimentos,
destelho
as casas penduradas na terra,
tiro
os cheiros dos corpos das meninas sonhando.
Desloco
as consciências,
a
rua estala com os meus passos,
e
ando nos quatro cantos da vida.
Consolo
o herói vagabundo, glorifico o soldado vencido,
não
posso amar ninguém porque sou o amor,
tenho
me surpreendido a cumprimentar os gatos
e
a pedir desculpas ao mendigo.
Sou
o espírito que assiste à Criação
e
que bole em todas as almas que encontra.
Múltiplo,
desarticulado, longe como o diabo.
Nada
me fixa nos caminhos do mundo.
“Eu sou tu, sou membro do teu corpo e adubo da tua alma.”
SOMOS TODOS POETAS
Assisto
em mim a um desdobrar de planos.
as
mãos veem, os olhos ouvem, o cérebro se move,
A
luz desce das origens através dos tempos
E
caminha desde já
Na
frente dos meus sucessores.
Companheiro,
Eu
sou tu, sou membro do teu corpo e adubo da tua alma.
Sou
todos e sou um,
Sou
responsável pela lepra do leproso e pela órbita vazia do cego,
Pelos
gritos isolados que não entraram no coro.
Sou
responsável pelas auroras que não se levantam
E
pela angústia que cresce dia a dia.
“Os sentidos em alarme gritam:
O demônio tem mais poder que Deus.”
O EXILADO
Meu
corpo está cansado de suportar a máquina do mundo.
Os
sentidos em alarme gritam:
O
demônio tem mais poder que Deus.
Preciso
vomitar a vida em sangue
Com
tudo o que amaldiçoei e o que amei.
Passam
ao largo os navios celestes
E
os lírios do campo têm veneno.
Nem
Job na sua desgraça
Estava
despido como eu.
Eu
vi a criança negar a graça divina
Vi
o meu retrato de condenado em todos os tempos
E
a multidão me apontando como o falso profeta.
Espero
a tempestade de fogo
Mais
do que um sinal de vida.
“Qual a forma do poeta? Qual seu rito?
Qual sua arquitetura?”
MEDITAÇÃO DE AGRIGENTO
Quem
nos domara a força vã,
quem
nos sufocara o instinto
Para
permanecermos
Em
conformidade à linha do céu,
A
estas colunas perenes,
Ao
oculto mar lá embaixo.
Quem
nos transformara em folha
Ou
no súbito lagarto
Que
se esgueira sob tuas pedras,
Templo
F, sereno templo F,
Arquitetura
de reserva e paz.
Transformar-se
ou não, eis o problema.
Durar
na zona limite da memória,
Nos
limbos da vontade,
Ou
submeter a pedra, cumprir o ofício rude,
Aprender
do lavrador e do soldado.
Qual
a forma do poeta? Qual seu rito?
Qual
sua arquitetura?
Mudo,
entre capitéis e cactos
Subsiste
o oráculo.
A
manhã doura a pedra e vagos nomes,
Agrigento
me contempla, e vou-me.
Adorei o post! Ainda não conhecia esse poeta ilustre, mas o Angústia e Reação mexeu profundamente comigo, conversou comigo. Obrigada por sempre trazer esse tipo de informações para cá.
ResponderExcluirQuantos poemas lindos menina, eu fiquei apaixonada diante de tanta história que tem a revelar e casos que aconteceram a anos atrás, ótima postagem.
ResponderExcluirBeijinhos
Eu gosto muito de poemas e achei esses bem intensos, eu não conhecia nenhum deles e adorei vê-los aqui no seu blog.
ResponderExcluirOlá!
ResponderExcluirApesar de não ler poemas há bastante tempo, eu adorei os poemas que você deixou aqui sobretudo a Reflexão Nº1. Claro que todos são reflexivos e nos remetem a várias vertentes de interpretação, mas nesse já a intensidade já aparece nas primeiras linhas.
Beijos!
Camila de Moraes
Apenas no colegial eu estudei Murilo Mendes, mas nunca me aprofundei em suas obras. Parabéns pelo post, os poemas são admiráveis! Isso é para não subestimarmos a Literatura Brasileira e seus poetas!
ResponderExcluirbjos
Por essas páginas
Oi Lilian! Gostei dos poemas,principalmente de Somos Todos Poeta, O Exilado e Angústia e reação. Aliás, as imagens que você escolheu ficaram muito bem ao longo dos poemas.
ResponderExcluirBjs, Rose
Lilian, não conhecia Murilo Mendes.
ResponderExcluirAchei os poemas muito bonitos e tocantes, obrigada por apresentá-lo.
Olá, creio que ainda não conhecia o autor, gostei muito de poder saber um pouco sobre ele e de poder ler alguns de seus escritos.
ResponderExcluirOlá, tudo bem? Que poemas lindos! Sou dessas que adora ler poemas, apesar de às vezes não entender absolutamente nada, hahaha. Adorei o post!
ResponderExcluirNormal não entender Às vezes, aliás, ontem lia um artigo sobre isso, o tempo de entendimento do poema. ^^ Às vezes, tenho essa dificuldade com Borges.
ExcluirLindos os poemas e angustiantes, parece haver uma contradição de sentimentos neles que aperreia o leitor rs
ResponderExcluirAchei ótimo o que a Larissa falou: "às vezes não entende absolutamente nada". Ocorre comigo frequentemente. O mais incrível é que normalmente são os que mais me tocam, aqueles que não entendo de primeira. Hoje o que mais me tocou foi Angústia e reação.
ResponderExcluirBeijos
Nilda, querida, obrigada pela contribuição. às vezes, o que não entendo, fica ecoando junto com minha memória celular e surgindo significados ao longo de minha vida.
ExcluirOie!
ResponderExcluirNão conhecia o autor, mas amo conhecer um pouco mais sobre poesia, o autor é em enigmático e intenso.
Obrigada por trazê-lo, gostei de conhecê-lo e dos poemas também.
Parabéns pela postagem!
Beijos!
Eli - Leitura Entre Amigas
http://www.leituraentreamigas.com.br/
Não conhecia! As poesias dele passam sempre um certo ar de raiva e descontentamento. Mesmo que nas entrelinhas, achei isso bem interessante.
ResponderExcluirwww.belapsicose.com
Olha, de todos os poemas selecionados só conhecia a referência à Canção do Exílio. Fiquei comovida e tocada, pois o eu lírico desnuda sua alma e denuncia as atrocidades do mundo a sua volta.
ResponderExcluir“É necessário morrer de tristeza e de nojo
Por viver num mundo aparentemente abandonado por Deus,
E ressuscitar pela força da prece, da poesia e do amor.”
É muito atual isso.
Vou prestar mais atenção a esses poetas do Modernismo.
Olá! Grata por seu comentário. Disse exatamente o que penso.
ExcluirOlá! Nossa, gostei bastante de conhecer mais sobre ele. É bastante inspirador! Seus poemas são intensos, fortes, cheios de significados. Parabéns pelo post, beijos!
ResponderExcluirOlá, tudo bem Lilian?
ResponderExcluirEsse é meu conterrâneo e fico com vergonha de falar que pouco li dos poemas desse grande mestre chamado Murilo Mendes, assim como pouco li sobre Rubem Fonseca, outro grande escritor aqui da cidade. Os poemas acima são inspiradores e adorei as imagens. Bela publicação!
Bjs
Olá,
ResponderExcluirÉ engraçado o quanto um texto pequeno tem um grande impacto em nós, não é mesmo? Gostei muito dessa sua postagem, principalmente porque não leio muitos poemas.
Beijos,
entreoculoselivros.blogspot.com.br/
Oie, gostei do post, não conhecia o livro, mesmo não lendo muitos poemas fiquei curiosa para ler esse.
ResponderExcluirbjs
Oi, tudo bem?
ResponderExcluirEu não conhecia essa autor e confesso que não costumo ler poemas, mas achei bem interessante a postagem, os poemas são bem impactantes, assim como as fotos.
Beijos :*