Vestígios, por Roseneide Santana
A chuva a deixou melancólica. Uma tristeza dos séculos a
acompanha neste dia. Sente saudade do que não viveu. Cenas de antigos filmes passeiam pelos seus
olhos. Mulheres bem vestidas em lã e peles, homens de sobretudo e chapéu,
música instrumental. Todos fumam. A atmosfera de amor, no entanto, é o que dá
unidade às imagens. É preciso que haja encontro, afeto e sexo arrebatador.
Desce sorrateira do táxi, dispensa o troco e corre para o hotel. Molhou um pouco os cabelos tão cuidadosamente escovados. Duas palavras com o recepcionista: quarto 514. O amante ainda não chegara. Ela olha em volta: a grande e confortável cama, o frigobar, onde põe uma caixinha de suco igualzinha a ofertada. Rapidamente substituiu os dois preservativos, sobre o criado-mudo, pelos retirados da sacola; também o jogo de cama e as toalhas do quarto foram trocados pelos intactos, vindos do seu enxoval. Lembrou-se do pai. meu gosto é levar uma filha pela mão na igreja ou na formatura. Morreu sem um nem ou. O homem chegou e já a encontrou em lingerie preto, o preferido. Será como sempre, bom até acabar.
Todas as palavras de paixão só serão ditas e ouvidas naqueles instantes: “Querida, querida...”. Ao final, a vontade de falar sobre amenidades de casal. como seriam as carinhas dos filhos. ao menos o sorriso teria que ser o do pai, os dentes tortinhos mais lindos do mundo... acordar, de manhã, numa cama dos dois. observar suas costas, indo ao banheiro e voltando para novamente se deitar, sem pedir a conta. o que vai querer almoçar. a prestação do carro vence amanhã. sua mãe ligou, foi de novo para a urgência com pressão alta...
Não há intimidades domésticas. Essas ficaram para as coitadas das esposas. A mulher sabe que, já em casa, no dia seguinte, ninguém vai se atrasar para o almoço, ninguém vai se esquecer de baixar a tampa do vaso, ou sujar toda a pia no escovar dos dentes. A conta de duas horas do expediente amoroso chegou. Como sempre, o homem sai primeiro. Não há beijo.
A mulher faz um cálculo de cabeça. São muitos anos de fidelidade ao mesmo amante. Sorri. É quase oficial. Aguarda mais um pouco para ter certeza de que ele se foi. Recolhe suas coisas. Arruma a cama do quarto, estica bem os lençóis, limpa a pia, baixa a tampa, toma o suco da geladeirinha, as duas camisinhas de volta no lugar. Depois, volta ao banheiro para jogar a caixinha e retirar da lixeira o preservativo usado. Vai jogá-lo em um lixo qualquer, fora dali. Não quer que a arrumadeira pense que esteve ali só pra isso.
Escrito por Roseneide Santana
Desce sorrateira do táxi, dispensa o troco e corre para o hotel. Molhou um pouco os cabelos tão cuidadosamente escovados. Duas palavras com o recepcionista: quarto 514. O amante ainda não chegara. Ela olha em volta: a grande e confortável cama, o frigobar, onde põe uma caixinha de suco igualzinha a ofertada. Rapidamente substituiu os dois preservativos, sobre o criado-mudo, pelos retirados da sacola; também o jogo de cama e as toalhas do quarto foram trocados pelos intactos, vindos do seu enxoval. Lembrou-se do pai. meu gosto é levar uma filha pela mão na igreja ou na formatura. Morreu sem um nem ou. O homem chegou e já a encontrou em lingerie preto, o preferido. Será como sempre, bom até acabar.
Todas as palavras de paixão só serão ditas e ouvidas naqueles instantes: “Querida, querida...”. Ao final, a vontade de falar sobre amenidades de casal. como seriam as carinhas dos filhos. ao menos o sorriso teria que ser o do pai, os dentes tortinhos mais lindos do mundo... acordar, de manhã, numa cama dos dois. observar suas costas, indo ao banheiro e voltando para novamente se deitar, sem pedir a conta. o que vai querer almoçar. a prestação do carro vence amanhã. sua mãe ligou, foi de novo para a urgência com pressão alta...
Não há intimidades domésticas. Essas ficaram para as coitadas das esposas. A mulher sabe que, já em casa, no dia seguinte, ninguém vai se atrasar para o almoço, ninguém vai se esquecer de baixar a tampa do vaso, ou sujar toda a pia no escovar dos dentes. A conta de duas horas do expediente amoroso chegou. Como sempre, o homem sai primeiro. Não há beijo.
A mulher faz um cálculo de cabeça. São muitos anos de fidelidade ao mesmo amante. Sorri. É quase oficial. Aguarda mais um pouco para ter certeza de que ele se foi. Recolhe suas coisas. Arruma a cama do quarto, estica bem os lençóis, limpa a pia, baixa a tampa, toma o suco da geladeirinha, as duas camisinhas de volta no lugar. Depois, volta ao banheiro para jogar a caixinha e retirar da lixeira o preservativo usado. Vai jogá-lo em um lixo qualquer, fora dali. Não quer que a arrumadeira pense que esteve ali só pra isso.
Escrito por Roseneide Santana
super criativa, parabéns pelo texto!
ResponderExcluirnossa inpirador, gostei muito .. essa semana estava sentindu realmente isso ''Sente saudade do que não viveu''
ResponderExcluirGosto muito desse tipo de texto direto, uniparagrafado. Lembrou-me dos contos que lia antes de dormir quando adolescente. Muito bom! =)
ResponderExcluirÓtimo texto, bem descritivo! Gosto de coisas assim. E quando li, anos de fidelidade ao mesmo amante, eu ri kkkk
ResponderExcluirQue texto expressivo e sentimental. Um texto relativamente pequeno e que nos passa tanta coisa pela cabeça.
ResponderExcluirObrigadíssima a todos e todas pelos comentários. Somente uma retificação, eu escrevi vazo em lugar de vaso. A produção de um texto é uma alegria, mas é também uma dor. Nesse dia, eu estava mais para vazada, que para descargas ou flores. Acertem aí, se não eu não passo no Enem. Grande abraço. A autora.
ResponderExcluirRoseneide, parabéns pelo texto.
ResponderExcluirMuito bem escrito e verdadeiro.
Muitas mulheres devem ter essa mesma ilusão de ter o amante fiel e querer o que não viveu.
Lisossomos
Acho que escrever um texto sempre requer muito do escritor.
ResponderExcluirGostei muito das palavras, ele me passou algo que as mulheres procuram hoje em dia uma boa relação. Até o poder porque não.
Nos traga mais textos Roseneide.
Beijinhos, Helana ♥
In The Sky, Blog / Facebook In The Sky
Olá!
ResponderExcluirParabéns pelo texto! Muito bem escrito e bem detalhado. Achei triste, mas passo bem huahua
Abraços!
http://blogladoescuro.blogspot.com.br/
Ual Roseneide, parabéns pelo belíssimo e inspirador texto!
ResponderExcluirBeijos
myself-here1.blogspot.com.br
Lindo lindo texto! amei a escrita e a trama :D
ResponderExcluirBeijos
http://www.oteoremadaleitura.com/
Parabéns! Me identifiquei com o seu ritmo. A situação não é engraçada, chega a soar doentia, e você consegue contar tudo com bom-humor, gostei :)
ResponderExcluirSim, Max, a situação é mesmo doentia. Há muita melancolia e engasgos. Gostei muito da sua percepção sobre o conto. Grata, um abraço de 5 anos.
ExcluirAmei, menina escreva mais e mais!
ResponderExcluirDava pra desenvolver uma boa história hein, espero ler mais textos seu.
Beijos!
www.escritacolorida.com.br
Olá; muito bacana o texto, uma história bem escrita e bem contada em poucos parágrafos, gostei muito.
ResponderExcluirParticipe do sorteio da Trilogia A Caverna Cristalina no blog: petalasdeliberdade.blogspot.com .
Oie,
ResponderExcluirO texto é lindo e triste, parece que ela tem uma vida vazia não sei explicar, eu fiquei meio trite por ela. Porém ela sabe o que é melhor, e o que lhe faz bem.
Mayla
Oi, tudo bem?
ResponderExcluirAmei seu texto, foi um texto rápido de ler mas com todos os detalhes bem descritos, é um texto que realmente nos faz pensar sobre certas coisas.
Beijos, Larissa (laoliphant.com.br)
Olá, tudo bem?
ResponderExcluirGostei do seu texto, é bem interessante o ponto de vista dessa mulher, não sei bem o que pensar dela me parece que ela leva um vida sem proposito e isso é bem supérfluo. :/
Att,
decaranasletras.blogspot.com
Oii!
ResponderExcluirComo eu gostaria de ter dom da escrita como você <3
Adorei sua escrita, muito leve e em poucos minutos eu consegui ficar bem envolvida na história. Sucesso!
beijinhos
Oi, não curto muito crônicas pq sempre fico querendo mais... Mas essa foi interessante, eu diria. Parabéns à autora! :)
ResponderExcluirHTTP://PORREDELIVROS.BLOGSPOT.COM
Olá, adorei a fluidez do seu texto, apesar de curto e bem gostoso de ler *-*
ResponderExcluirVisite "Meu Mundo, Meu Estilo"
Texto extremamente poético. Coisas de quem de fato sabe contar uma história bem contada. E eu tive a satisfação de poder ouvir essas palavras da boca da mulher que a escreveu, quando tive o privilégio, por meio de amigas, de visitar uma das aulas dela. Parabéns, Roseneide!
ResponderExcluirPuxa, Lucas, que legal ler isso. Grande abraço.
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